Livre-arbítrio.
Engraçado esse negócio que Deus nos deu livre-arbítrio... a tal possibilidade de decidir ou escolher em função da vontade própria, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante... Será?
Bem cedo aprendi a exercer esse tal do livre-arbítrio que Deus supostamente “deu”, e gostei muito.
Ainda pequeno, as minhas ações dependiam unicamente da própria vontade, portanto, era livre. Já imaginaram? Eu, pobre e preto, descobri que tinha total liberdade... E a liberdade, humano sou, obviamente deslumbrou.
Os meus grandes educadores, pai, mãe analfabetos e avô que assinava lindamente o seu nome, diziam-me sempre que, para exercer bem o meu livre-arbítrio, era preciso conhecer primeiro todos os lados da questão onde eu pretendia exercitar a minha vontade.
Conhecer todos os aspectos? Muito complicado e demorado! Para roubar duas ou três goiabas do quintal do vizinho precisava analisar os prós e contras de uma ação que eu chamava “obtenção de provimentos para a batalha”? Humm... Quando acabasse de pensar as goiabas já haveriam caído de moles. E quem gosta de goiaba sabe que as melhores são as meio verdes e vermelhas, comidas no pé.
Deste modo, exercendo o meu livre-arbítrio, eu retrucava que não era necessário. Afinal, o tal do livre-arbítrio fora-me dado por Deus, conseqüentemente, ficar analisando variáveis e tangentes de determinado assunto não só era pura perda de tempo, como uma falta de respeito. Deus poderia pensar que eu desconfiada do presente dele...
Se Deus deu, estava dado e fim de papo. Eu podia muito bem fazer o que quisesse sem precisar analisar nada. Eu não queria que Deus ficasse aborrecido comigo... Mesmo assim, pai, mãe e principalmente o meu avô, insistiam em mostrar-me o que achavam certo ou errado e eu... bom... fingia que ouvia. Tinha esse direito, não? Fazia parte do meu livre-arbítrio, ora pois! Eu era senhor e rei do meu livre-arbítrio.
Eu era livre. Livre como os passarinhos que caçava e enfiava numa gaiola para aprenderem que liberdade era coisa de gente, não de bicho. Deus só dera livre-arbítrio para os homens.
A memória retrocede-me neste instante aos meus onze aninhos. Recém entrara na puberdade. Os ossos doíam-me, os mamilos inchavam e a voz saía-me a cada dia pela boca com um som diferente. Às vezes chegava a pensar que não era eu, e sim um daqueles espíritos que costumam vagar pelos campos de Minas Gerais. O pior eram as espinhas e a farinha que minha mãe insistia que eu pusesse na cara para secá-las.
Nesse aspecto o meu livre-arbítrio não funcionava...
Lá na roça, naqueles tempos, tratamento dermatológico era emplastro de farinha de trigo, água, sal e mel pregado na cara antes de dormir. Dermatologista era coisa pra gente sabida e de “puuder”. Para falar essa especialidade médica o caboclo engasgava-se duas ou três vezes. Quando conseguia, balbuciava em cadência “dérrr-ma-tro-lo-gis-tra”, seguido de um sorriso amarelo. No alto do meu livre-arbítrio eu logo recomendava com o riso preso na garganta:
– ocê devia procurar um otorrinolaringologista para melhorar sua dicção...
– Sua quê? – respondiam-me já de mão alçada.
Dependendo de quem fosse o interlocutor recebia de resposta o rebolar “dozóio” ou um cascudo na cabeça. De qualquer forma saía da conversa a rir a bandeiras despegadas. E este era só um dos privilégios do tal do “livre-arbítrio”.
Quando os ossos pararam de doer aprendi que livre-arbítrio também significava poder... pois a cada dor eu fingia que não existiam e um dia as dores pararam. Então eu tinha poder... e liberdade.
Isso pensava até ao dia que o meu avô obrigou-me a ler um livro com textos de um tal de Heráclito... Cinco séculos antes de Cristo, lá na Grécia, o desgraçado escrevera aos prantos que, “Se tudo se torna tudo, cada coisa contêm em si o que nega”...
Coitado! Do Heráclito, obviamente!; não do meu avô, pobrezinho! Na sua santa ignorância havia ouvido alguém dizer que ler clássicos gregos fazia bem para a cultura... então ele me convencia que parte do meu livre-arbítrio era ler o que os gregos haviam escrito.
Até hoje, se numa livraria o acaso me leva a cruzar com uma Ilíada fico arrepiado.
Que decepção! Para encurtar a história, ao final do alfarrábio descobri que não era livre, não tinha poder algum e, pior, não era humilde, embora pertencesse à classe dos humilhados.
A partir daí comecei a duvidar do tal “livre-arbítrio”. E, morrendo de medo, cheguei à conclusão o "presentinho" de Deus era uma baita sacanagem. Para que me servia essa coisa que Deus me havia dado se nem das espinhas conseguia livrar-me? E que raio de livre-arbítrio tinha eu se me deixava convencer a ler livros de gente velha que tinha morrido há não sei quantos séculos?
Bom, na dor nos ossos o livre-arbítrio funcionara. Nas centenas de goiabas que comi empoleirado na árvore do vizinho, funcionara ainda melhor... mas nas espinhas não. Menos ainda nos trabalhos escolares que a freira me obrigava a fazer sem dar-me chance de exercer o meu livre-arbítrio...
Esse presente de Deus era presente de grego, isso sim!
Fizesse eu o que fizesse as espinhas continuavam. Para engrossar o caldo, o infeliz do Heráclito, que viveu chorando diante das conjecturas da vida, levou-me a acreditar que o meu valor como homem dependia sempre do que eu produzisse e não do conhecimento que possuísse.... Mas... para valer mais pelo que produzisse, do que pelo que sabia, eu devia saber mais para fazer melhor...
Que confusão!
O padre, de quem todos suspeitavam que era comunista, nas aulas de catecismo agravava ainda mais a bagunça. Dizia que estava nas Escrituras que “conhecimento gera sofrimento”. Danou-se! Eu queria saber de tudo mas não queria ser infeliz... E a coisa piorava quando se contradizia e citava Timóteo 2:4: “Deus deseja que todos os homens sejam salvos e que cheguem ao pleno conhecimento da verdade”.
Que tormentos eu passei por causa desse presentinho que Deus me havia dado.
Já adulto descobri que os religiosos pelo mundo afora consolam os desditados valendo-se da expressão para explicar até unha encravada... embora nas escrituras não exista um só versículo que mencione essa “concessão” divina. Os hermeneutas do espiritismo dizem que livre-arbítrio é um atributo da alma humana, ensinado pelos Espíritos, consubstanciado na Doutrina codificada...
No entanto, “Deus deu-nos livre-arbítrio”, murmuram todos eles comiserados para a mãe que chora pelo filho que matou a esposa porque esta não queria reatar o casamento.
Foi Livre-arbítrio do pai matar o filho cheio de crack porque não agüentava mais os vexames a que era submetido.
Livre-arbítrio Deus “deu” também ao assaltante para arrastar pela rua uma criança amarrada ao carro; ou matar uma velha senhora porque esta se agarrou afincada à bolsa onde tinha a aposentadoria recém sacada do banco.
E o comerciante que foi assaltado dez vezes; na undécima enfrentou os bandidos e morreu pela bala saída da arma de um deles? A ação e a morte desse comerciante foram em função da vontade própria, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante?
Quando o senador Aloísio Mercadante apresentou a sua burlesca renúncia em caráter irrevogável e depois revogou o irrevogável, será que ele optou, (os repórteres da TV Record falariam “oupitou”), por essa concessão divina tão especial do “livre-arbítrio”?
– “Deus deu ao homem o livre-arbítrio!” – respondeu-me certa vez o Cura do meu povoado de Minas Gerais, quando quis saber porque Deus não acabava com a Guerra do Vietnam. – “Ele não interfere quando os homens decidem matarem-se uns aos outros”... – arrematou ele... e eu entendi.
Entendi?
Tanto entendi que os anos passaram e vi Deus “dar” livre-arbítrio aos brasileiros para elegerem o Lula da Silva. E livre-arbítrio recebeu o Lula para envergonhar e humilhar o Brasil. Livre-arbítrio tiveram os petistas para roubarem descaradamente o erário nacional; para associarem-se com criminosos das FARC; para criarem dossiês falsos; para estarem tentando eleger para presidente da república uma assaltante de bancos, terrorista e mentirosa patológica...
Livre-arbítrio mostram os brasileiros ao acreditarem nas mentiras e vigarices lulistas; ao acaçaparem os impostos mais altos do mundo; ao fecharem os olhos à corrupção; ao fingirem não perceber a miséria e a ignorância em que vivem...
Aí eu me pergunto: uma criança que na infância é desprezada, surrada, violentada, estuprada e quando adulta vira criminosa, drogada, psicopata, ou pior, petista, nas ações ignominiosas que comete está realmente exercendo o tal livre-arbítrio que “recebeu” de Deus ou apenas imitando o que conheceu, aprendeu e experimentou na sociedade onde está inserida?
E o Amor?... palavra tão próxima com realidade tão distante... Faz esse sentimento parte do Livre-arbítrio?; ou é só um mero, este sim, atributo da alma humana?
Dizem que religião, política e futebol não se discutem... talvez porque o assunto acabe em briga por causa do tal do livre-arbítrio... O ser humano tem a mania de escolher o que pensar e decidir por algum tipo de conclusão para responder ou agir em conseqüência... segundo sua visão, quase sempre sem olhar todos os lados da questão.
Em nenhum lugar o tal do “livre-arbítrio” se vê tão claramente como no futebol... especialmente neste mês de Copa do Mundo... Mas vou poupar um pouco o teclado dos meus dedos e a você, leitor, a maçada de me ler. Recuso-me a tomar parte e fujo de qualquer discussão a respeito da bola. São absolutamente enfadonhas, desprovidas de sentido.
Nunca encontrei nada de extraordinário – ou divertido – em assistir a quarenta e quatro bolas correndo atrás de uma. Futebol não faz parte do meu cardápio de entretenimentos caseiros; muito menos ao ar-livre enfiado num estádio cercado por afluências de suores e fedentinas irrespiráveis.
Falar de bola jamais leva a remate algum. É um beco sem saída onde prolifera a discórdia dos diferentes livres-arbítrios... onde não há árbitros. Todos têm opinião formada, por mais absurda que seja, e os técnicos das equipes, as deles; as quais, sequer comportam a dos polemizadores que passam horas chovendo no molhado ao estilo Juca Kfouri e seus caninos vampirescos. Para quê?
Falar sobre futebol em nada contribui para o aprendizado do indivíduo. Isso penso. Em nada acresce ou decresce, quanto mais não seja permitir ao indivíduo exercer o seu livre-arbítrio para tergiversar sobre um tema que julga entender, mas na verdade não entende... porque nada há para entender.
O que há para entender em ver 44 bolas correndo atrás de uma ao som da voz de um Galvão Bueno grasnando as mais absurdas nescidades?
Qualquer discussão sobre esse esporte enfadonho requer uma vassoura para juntar o que foi dito a ver se restou algo a aproveitar. No entanto, reconheço, o assunto é um nivelador de massas e de classes sociais, cujo propósito, outro não vejo, senão induzir os menos ilustrados, os desprovidos de inteligência, a conversarem sobre alguma coisa enquanto vêem o tempo passar... permitindo-lhes a fantasia de se convencerem a si próprios que alguma capacidade têm para raciocinar... e exercer o seu livre-arbítrio.
Algo como acontece agora na África do Sul onde mais de um quarto da população negra está sendo devastada pela AIDS e ninguém teve o livre-arbítrio de usar os milhões gastos na construção de estádios para proporcionar melhores condições de vida a esses desgraçados.
No exercício pleno do tal do livre-arbítrio preferem olhar para as bolas, continuarem a morrer de fome e de AIDS e dar ora-bolas à tragédia humana em que se conspurcam... como fazem igualmente os brasileiros.
Que coisa estranha esse tal do Livre-arbítrio. Deus não foi certamente quem o deu. Se o tivesse dado teria impedido o ser humano de ter vícios. E o Homem, na sua essência, é um ser devasso, preso a dogmas, leis e preconceitos.
Arbítrio significa resolução que depende só da vontade do indivíduo. Livre arbítrio determina a decisão livre, a predição dessa vontade livre, consciente e sem vícios.
Livre-arbítrio, portanto, é só outra palavra inventada pelo homem para justificar vaidades, ambições, cobiças, genocídios e, principalmente para tirar de cima de si a culpa pelos erros cometidos, porque Deus lhe “deu” livre-arbítrio...
Bem cedo aprendi a exercer esse tal do livre-arbítrio que Deus supostamente “deu”, e gostei muito.
Ainda pequeno, as minhas ações dependiam unicamente da própria vontade, portanto, era livre. Já imaginaram? Eu, pobre e preto, descobri que tinha total liberdade... E a liberdade, humano sou, obviamente deslumbrou.
Os meus grandes educadores, pai, mãe analfabetos e avô que assinava lindamente o seu nome, diziam-me sempre que, para exercer bem o meu livre-arbítrio, era preciso conhecer primeiro todos os lados da questão onde eu pretendia exercitar a minha vontade.
Conhecer todos os aspectos? Muito complicado e demorado! Para roubar duas ou três goiabas do quintal do vizinho precisava analisar os prós e contras de uma ação que eu chamava “obtenção de provimentos para a batalha”? Humm... Quando acabasse de pensar as goiabas já haveriam caído de moles. E quem gosta de goiaba sabe que as melhores são as meio verdes e vermelhas, comidas no pé.
Deste modo, exercendo o meu livre-arbítrio, eu retrucava que não era necessário. Afinal, o tal do livre-arbítrio fora-me dado por Deus, conseqüentemente, ficar analisando variáveis e tangentes de determinado assunto não só era pura perda de tempo, como uma falta de respeito. Deus poderia pensar que eu desconfiada do presente dele...
Se Deus deu, estava dado e fim de papo. Eu podia muito bem fazer o que quisesse sem precisar analisar nada. Eu não queria que Deus ficasse aborrecido comigo... Mesmo assim, pai, mãe e principalmente o meu avô, insistiam em mostrar-me o que achavam certo ou errado e eu... bom... fingia que ouvia. Tinha esse direito, não? Fazia parte do meu livre-arbítrio, ora pois! Eu era senhor e rei do meu livre-arbítrio.
Eu era livre. Livre como os passarinhos que caçava e enfiava numa gaiola para aprenderem que liberdade era coisa de gente, não de bicho. Deus só dera livre-arbítrio para os homens.
A memória retrocede-me neste instante aos meus onze aninhos. Recém entrara na puberdade. Os ossos doíam-me, os mamilos inchavam e a voz saía-me a cada dia pela boca com um som diferente. Às vezes chegava a pensar que não era eu, e sim um daqueles espíritos que costumam vagar pelos campos de Minas Gerais. O pior eram as espinhas e a farinha que minha mãe insistia que eu pusesse na cara para secá-las.
Nesse aspecto o meu livre-arbítrio não funcionava...
Lá na roça, naqueles tempos, tratamento dermatológico era emplastro de farinha de trigo, água, sal e mel pregado na cara antes de dormir. Dermatologista era coisa pra gente sabida e de “puuder”. Para falar essa especialidade médica o caboclo engasgava-se duas ou três vezes. Quando conseguia, balbuciava em cadência “dérrr-ma-tro-lo-gis-tra”, seguido de um sorriso amarelo. No alto do meu livre-arbítrio eu logo recomendava com o riso preso na garganta:
– ocê devia procurar um otorrinolaringologista para melhorar sua dicção...
– Sua quê? – respondiam-me já de mão alçada.
Dependendo de quem fosse o interlocutor recebia de resposta o rebolar “dozóio” ou um cascudo na cabeça. De qualquer forma saía da conversa a rir a bandeiras despegadas. E este era só um dos privilégios do tal do “livre-arbítrio”.
Quando os ossos pararam de doer aprendi que livre-arbítrio também significava poder... pois a cada dor eu fingia que não existiam e um dia as dores pararam. Então eu tinha poder... e liberdade.
Isso pensava até ao dia que o meu avô obrigou-me a ler um livro com textos de um tal de Heráclito... Cinco séculos antes de Cristo, lá na Grécia, o desgraçado escrevera aos prantos que, “Se tudo se torna tudo, cada coisa contêm em si o que nega”...
Coitado! Do Heráclito, obviamente!; não do meu avô, pobrezinho! Na sua santa ignorância havia ouvido alguém dizer que ler clássicos gregos fazia bem para a cultura... então ele me convencia que parte do meu livre-arbítrio era ler o que os gregos haviam escrito.
Até hoje, se numa livraria o acaso me leva a cruzar com uma Ilíada fico arrepiado.
Que decepção! Para encurtar a história, ao final do alfarrábio descobri que não era livre, não tinha poder algum e, pior, não era humilde, embora pertencesse à classe dos humilhados.
A partir daí comecei a duvidar do tal “livre-arbítrio”. E, morrendo de medo, cheguei à conclusão o "presentinho" de Deus era uma baita sacanagem. Para que me servia essa coisa que Deus me havia dado se nem das espinhas conseguia livrar-me? E que raio de livre-arbítrio tinha eu se me deixava convencer a ler livros de gente velha que tinha morrido há não sei quantos séculos?
Bom, na dor nos ossos o livre-arbítrio funcionara. Nas centenas de goiabas que comi empoleirado na árvore do vizinho, funcionara ainda melhor... mas nas espinhas não. Menos ainda nos trabalhos escolares que a freira me obrigava a fazer sem dar-me chance de exercer o meu livre-arbítrio...
Esse presente de Deus era presente de grego, isso sim!
Fizesse eu o que fizesse as espinhas continuavam. Para engrossar o caldo, o infeliz do Heráclito, que viveu chorando diante das conjecturas da vida, levou-me a acreditar que o meu valor como homem dependia sempre do que eu produzisse e não do conhecimento que possuísse.... Mas... para valer mais pelo que produzisse, do que pelo que sabia, eu devia saber mais para fazer melhor...
Que confusão!
O padre, de quem todos suspeitavam que era comunista, nas aulas de catecismo agravava ainda mais a bagunça. Dizia que estava nas Escrituras que “conhecimento gera sofrimento”. Danou-se! Eu queria saber de tudo mas não queria ser infeliz... E a coisa piorava quando se contradizia e citava Timóteo 2:4: “Deus deseja que todos os homens sejam salvos e que cheguem ao pleno conhecimento da verdade”.
Que tormentos eu passei por causa desse presentinho que Deus me havia dado.
Já adulto descobri que os religiosos pelo mundo afora consolam os desditados valendo-se da expressão para explicar até unha encravada... embora nas escrituras não exista um só versículo que mencione essa “concessão” divina. Os hermeneutas do espiritismo dizem que livre-arbítrio é um atributo da alma humana, ensinado pelos Espíritos, consubstanciado na Doutrina codificada...
No entanto, “Deus deu-nos livre-arbítrio”, murmuram todos eles comiserados para a mãe que chora pelo filho que matou a esposa porque esta não queria reatar o casamento.
Foi Livre-arbítrio do pai matar o filho cheio de crack porque não agüentava mais os vexames a que era submetido.
Livre-arbítrio Deus “deu” também ao assaltante para arrastar pela rua uma criança amarrada ao carro; ou matar uma velha senhora porque esta se agarrou afincada à bolsa onde tinha a aposentadoria recém sacada do banco.
E o comerciante que foi assaltado dez vezes; na undécima enfrentou os bandidos e morreu pela bala saída da arma de um deles? A ação e a morte desse comerciante foram em função da vontade própria, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante?
Quando o senador Aloísio Mercadante apresentou a sua burlesca renúncia em caráter irrevogável e depois revogou o irrevogável, será que ele optou, (os repórteres da TV Record falariam “oupitou”), por essa concessão divina tão especial do “livre-arbítrio”?
– “Deus deu ao homem o livre-arbítrio!” – respondeu-me certa vez o Cura do meu povoado de Minas Gerais, quando quis saber porque Deus não acabava com a Guerra do Vietnam. – “Ele não interfere quando os homens decidem matarem-se uns aos outros”... – arrematou ele... e eu entendi.
Entendi?
Tanto entendi que os anos passaram e vi Deus “dar” livre-arbítrio aos brasileiros para elegerem o Lula da Silva. E livre-arbítrio recebeu o Lula para envergonhar e humilhar o Brasil. Livre-arbítrio tiveram os petistas para roubarem descaradamente o erário nacional; para associarem-se com criminosos das FARC; para criarem dossiês falsos; para estarem tentando eleger para presidente da república uma assaltante de bancos, terrorista e mentirosa patológica...
Livre-arbítrio mostram os brasileiros ao acreditarem nas mentiras e vigarices lulistas; ao acaçaparem os impostos mais altos do mundo; ao fecharem os olhos à corrupção; ao fingirem não perceber a miséria e a ignorância em que vivem...
Aí eu me pergunto: uma criança que na infância é desprezada, surrada, violentada, estuprada e quando adulta vira criminosa, drogada, psicopata, ou pior, petista, nas ações ignominiosas que comete está realmente exercendo o tal livre-arbítrio que “recebeu” de Deus ou apenas imitando o que conheceu, aprendeu e experimentou na sociedade onde está inserida?
E o Amor?... palavra tão próxima com realidade tão distante... Faz esse sentimento parte do Livre-arbítrio?; ou é só um mero, este sim, atributo da alma humana?
Dizem que religião, política e futebol não se discutem... talvez porque o assunto acabe em briga por causa do tal do livre-arbítrio... O ser humano tem a mania de escolher o que pensar e decidir por algum tipo de conclusão para responder ou agir em conseqüência... segundo sua visão, quase sempre sem olhar todos os lados da questão.
Em nenhum lugar o tal do “livre-arbítrio” se vê tão claramente como no futebol... especialmente neste mês de Copa do Mundo... Mas vou poupar um pouco o teclado dos meus dedos e a você, leitor, a maçada de me ler. Recuso-me a tomar parte e fujo de qualquer discussão a respeito da bola. São absolutamente enfadonhas, desprovidas de sentido.
Nunca encontrei nada de extraordinário – ou divertido – em assistir a quarenta e quatro bolas correndo atrás de uma. Futebol não faz parte do meu cardápio de entretenimentos caseiros; muito menos ao ar-livre enfiado num estádio cercado por afluências de suores e fedentinas irrespiráveis.
Falar de bola jamais leva a remate algum. É um beco sem saída onde prolifera a discórdia dos diferentes livres-arbítrios... onde não há árbitros. Todos têm opinião formada, por mais absurda que seja, e os técnicos das equipes, as deles; as quais, sequer comportam a dos polemizadores que passam horas chovendo no molhado ao estilo Juca Kfouri e seus caninos vampirescos. Para quê?
Falar sobre futebol em nada contribui para o aprendizado do indivíduo. Isso penso. Em nada acresce ou decresce, quanto mais não seja permitir ao indivíduo exercer o seu livre-arbítrio para tergiversar sobre um tema que julga entender, mas na verdade não entende... porque nada há para entender.
O que há para entender em ver 44 bolas correndo atrás de uma ao som da voz de um Galvão Bueno grasnando as mais absurdas nescidades?
Qualquer discussão sobre esse esporte enfadonho requer uma vassoura para juntar o que foi dito a ver se restou algo a aproveitar. No entanto, reconheço, o assunto é um nivelador de massas e de classes sociais, cujo propósito, outro não vejo, senão induzir os menos ilustrados, os desprovidos de inteligência, a conversarem sobre alguma coisa enquanto vêem o tempo passar... permitindo-lhes a fantasia de se convencerem a si próprios que alguma capacidade têm para raciocinar... e exercer o seu livre-arbítrio.
Algo como acontece agora na África do Sul onde mais de um quarto da população negra está sendo devastada pela AIDS e ninguém teve o livre-arbítrio de usar os milhões gastos na construção de estádios para proporcionar melhores condições de vida a esses desgraçados.
No exercício pleno do tal do livre-arbítrio preferem olhar para as bolas, continuarem a morrer de fome e de AIDS e dar ora-bolas à tragédia humana em que se conspurcam... como fazem igualmente os brasileiros.
Que coisa estranha esse tal do Livre-arbítrio. Deus não foi certamente quem o deu. Se o tivesse dado teria impedido o ser humano de ter vícios. E o Homem, na sua essência, é um ser devasso, preso a dogmas, leis e preconceitos.
Arbítrio significa resolução que depende só da vontade do indivíduo. Livre arbítrio determina a decisão livre, a predição dessa vontade livre, consciente e sem vícios.
Livre-arbítrio, portanto, é só outra palavra inventada pelo homem para justificar vaidades, ambições, cobiças, genocídios e, principalmente para tirar de cima de si a culpa pelos erros cometidos, porque Deus lhe “deu” livre-arbítrio...