Por Newtown, Sandy Hook com 20 criancinhas trucidadas à bala... uma lágrima deslizou suave para me indignar, para me estarrecer... mas outras tantas, copiosas, seguiram-na
pelas imagens terríveis, mais reais, tangíveis, inesperadamente recordadas de paradeiros longínquos, onde o mundo inteiro nada fez, apenas se calou.
Nas reminiscências não apareceram ursinhos de pelúcia enfileirados, nem rosas de qualquer cor ou velas de chamas pequeninas, amarelas, tremulantes na frente de arbustos bem cuidados...
Há tão-somente terra vermelha encharcada de sangue, repleta de centena e meia de pequenos corpinhos escuros, imberbes, mutilados, muitos decepados em partes atiradas a esmo no meio da maioria simplesmente furada... trespassados a balas.
Por um longo momento, demasiado devo dizer, vi-me em Darfur, outra vez suando até pelos cotovelos. Algo escorre-me dos olhos até aos lábios numa profusão tal que penso estar derretendo tão quente me sinto. Percebo que são lágrimas... Eu era o chefe da missão... Algo quente queima-me a perna direita...
Felizmente estou em casa. Apenas derramei em cima de mim a xícara de chocolate quente...
E aqui estou eu, − novamente − na transversal do rio de palavras, faladas e escritas, sobre o massacre abominável ocorrido em Newtown, na escola primária Sandy Hook.
Não foi o primeiro nos Estados Unidos...
Tampouco será o último!
Infelizmente!
De seis a oito por ano ocorrem por lá todos os anos.
É triste? É! Certamente foi! Foi muito. E os próximos mais tristes serão.
Chocante? Pra lá disso!
Estarrecedor? Bem mais do que isso!
As crianças massacradas à bala eram todas inocentes, lindas de verdade; lourinhas; rosadas;... Verdadeiros
anjos do Senhor! Reclamados por Ele... através de Adam Lanza, o jovem assassino...
Porquê? Por qual motivo? Com que objetivo?
Logo nos alvores dos informes sobre o morticínio a primeira pergunta que me fiz foi: − Onde estava Deus Todo Poderoso nesse momento?
Na Síria? Na Nigéria a salvar crianças cristãs dos muçulmanos? Talvez no Afeganistão? Ou no meio da Selva Colombiana? Quiçá, na Faixa de Gaza, em Israel?... a tentar salvar outras crianças? A evitar outra Sabra e Chatila...
Ou será que resolveu dar um cochilo no preciso momento em que Adam Lanza apertava os gatilhos das armas?
Vai ver, estava cansado e, às 09:45 hs da manhã de 14 de dezembro, no horário americano, ainda dormia.
Em Darfur Ele também não deu as caras e até agora tampouco. No massacre em Srebrenica, na Bósnia, onde, segundo dados da Comissão Européia de Direitos Humanos mais de 2.000 crianças foram dizimadas de uma só vez, Ele sumiu. E em Auschwitz, Dachau, Treblinka,
Mathausen? Onde será que Ele estava?
Como é que Deus permite barbaridades dessas? – foi a segunda pergunta... já tantas vezes verbalizada e nunca respondida.
Não dizem por aí que “uma folha só cai da árvore se Ele o permite”?
Então?
Não é para evitar atrocidades como essas que Ele existe?
Logo lembrei-me do tal do livre-arbítrio que as religiões - mundo afora – com viés cristão, tanto gostam de deitar mão para explicar ou consolar o que não pode ser explicado ou consolado.
Só não entendo que livres arbítrios poderiam ter todas as crianças já massacradas para quererem ser mortas a facão, como em Darfur, ou à bala,... algumas com várias incrustadas nos corpinhos, como 3 dias atrás, em Newtown.
Enfim...
Certamente, como diz o ditado popular, quando crianças assim tão impúberes morrem é porque “Deus está precisando de anjos”...
Afinal está em Mateus 19:14: “Disse-lhes Jesus: Deixai vir a mim as criancinhas e não as impeçais, porque o Reino dos céus é para aqueles que com elas se lhes assemelham”.
Que egoísmo, não?
Poderia pelo menos colocar um anúncio, tipo: “Setor de treinamento celestial procura anjos. Vagas abertas somente para candidatos de raça branca, ambos sexos, com idades entre 1 e 10 anos de idade, cabelos louros e olhos azuis. Morenos claros e olhos escuros ficarão em lista de espera”.
Com um anúncio assim talvez fosse compreensível o tal do livre-arbítrio tão decantado mundo afora por padres e pastores cristãos a ensinarem a quadratura do círculo.
São atos como o ocorrido em Newtown, nos Estados Unidos, ou em Dunblane, na Escócia, ou em Srebrenica, na Bósnia que me levam a tentar compreender porque não há um só anjinho negro pintado em qualquer obra com temática religiosa, clássica ou moderna, tenham sido elas pinceladas por grandes mestres medievais, renascentistas ou modernos; brancos ou negros.
Vai ver, anjinho negro em tela de pintura não fica bem. Talvez não dê Ibope; nem comova corações...
Possivelmente, desconfio, pois nada entendo de pinacoteca, que não dê para se lhe pintar bochechinhas rosadas, nem olhos azuis. Menos ainda cabelinhos louros. Se louros fossem, confundir-se-iam com a pele. Isso, pelo menos, entendo! Ademais, anjinho negro não nasce louro. Óbvio!
Aliás, pintar sombras entre os rechonchudos das perninhas negras seria gasto inútil de tinta; nem se veriam; exceto se o pintor carregasse ainda mais no preto.
Perninhas rechonchudas negras? Até bonito seria de se ver, não fosse a maioria das criancinhas negras nascer abaixo do peso, com alto grau de anemia.
Por isso não são candidatas a anjinhos; nem consideradas como tais.
Anjinho negro pintado numa tela religiosa? Destoaria! Assemelhar-se-ia a um borrão escuro, em meio às nuvens de algodão a flutuarem éteres no azul celeste do fundo.
Deve ser por isso que o mundo inteiro estarrece... debulha-se em lágrimas diante de massacres inexplicáveis como o da escola primária de Sandy Hook... e... como autista... impassível permanece aos massacres mil vezes piores, mais devastadores, e mais horrendos do que o de Sandy Hook, como os de Darfur no Sudão, ou os de Ruanda, Congo, Etiópia ou na Nigéria acontecem.
E na Nigéria eram crianças cristãs, batizadas por padres católicos... Mas era negras, claro!
Por esses lugares somente são assassinadas crianças negras sem qualquer pré-requisito ou condição de se candidatarem a anjos. São apenas assassinadas a tiros; ou esquartejadas a golpes de facão; ou simplesmente atiradas ao alto para caírem assustadas, chorando
desesperadas em cima de pontas de lanças enferrujadas, toscamente encaixadas em varas grotescas de madeira cheias de lascas... para divertimento dos algozes.
Eu já vi isso acontecer diante dos meus olhos, mas não vi o mundo se estarrecer... nem se emocionar, nem acender velas vermelhas brilhantes; ou colocar um só ursinho de pelúcia nos locais onde morreram... crianças tão inocentes como no dia em que vieram à luz.
Tenho cá para
mim que morreram num estado de inocência muito mais elevado do que os petizes da escola Sandy Hook... Mas quem se importa? São criancinhas negras, muitas
feiínhas... desnutridas, esquálidas...
Num isomorfo bucéfalo, porém sorridente, certo jornalista brasileiro, (tinha de ser brasileiro), com barba cheia ao estilo apedeuta e de nome Caio Blinder, por si só apedeuta igual ao original, associa o ocorrido em Newtown com o alegado fim do mundo, supostamente previsto pelo calendário Maia... “só que uns dias mais cedo”, assim o afirma, ufano,...
Porém, ao bomóloco, paralelo algum lhe invade a mente bucéfala para aventar os milhares de infantes mortos, igualmente de tenra idade, todos os dias na Guiné, atualmente na Síria, Afeganistão, ainda no Sudão ou no Iêmen. Apenas para mencionar os mais recentes.
Mas ele é brasileiro. Brasileiríssimo! Mora nos “estates”. Haverá que se lhe dar um desconto, já que se expressa à semelhança do apedeuta mor, especialmente nos verbos, nos “plurals”, e faz parte da trupe burlesca do Manhattan Connection, com ressalva a Diogo Mainardi, cuja presença lá, no meio de quatro patetas, para mim é um mistério.
Dias antes, Barack Obama a custo conseguiu reter duas lágrimas furtivas a deslizarem-lhe pelo canto do olho direito. A expressão no rosto não poderia ser mais séria, mais grave ao anunciar à nação o ato do matricida, à vez infanticida desalmado.
Enquanto o via e ouvia também lhe vi na expressão que sequer se lembrava de ter prometido lutar pelo controle de armas na sua primeira eleição à Casa Branca. Nada fez em 4 anos. Igualmente nada fará nestes próximos quatro adiante.
Horror dos horrores vive Newtown, Connecticut; a nova Inglaterra inteira pranteia.
Os Estados Unidos, unidos vertem lágrimas sentidas, convulsas,
consternadas...
−
“Há que se regulamentar imediatamente a proibição das armas!” − Recrudesce o coro monocórdio dos pacifistas habituais.
− “Que absurdo existirem 300 milhões de armas em 47% das residências americanas!”; − “Há que destruí-las!” − pronuncia-se uma nova-iorquina entrevistada nas ruas.
−
“the Second Amendment of the United States Bill of Rights needs to be
obliterated!” − grita
esbaforido, quase afônico, um ensandecido âncora da CNN, com sotaque britânico, depois de insultar grosseiramente dois representantes da poderosa NRA (National Rifle Association of America) que ele mesmo convidou para o seu programa.
O teatro não pára... conquanto o raciocínio da imprensa parece que sim.
Embora sem apresentar soluções práticas ou ver o lado pragmático do assunto, as exigências histriônicas pró-desarmamento
sucedem-se... para que uma a uma... caiam todas em saco roto.
Como sempre!
Enquanto assistia ao cínico do desarmamento, dei-me conta que nesse momento estavam a morrer centenas, talvez milhares de crianças totalmente esqueléticas, com barrigas repletas de vermes, apenas por não terem um naco de farinha cozida capaz, de mitigar-lhes a fome... ou porque pertencem a uma tribo diferente da que tem melhores armas e poder de fogo... fornecidas por americanos, russos, belgas, ingleses e brasileiros.
Sim, o Brasil é um grande produtor e fornecedor de armas... mas isso é outro assunto. Por enquanto, saiba um pouco o que o governo brasileiro esconde, «Aqui»
Enquanto escrevo, confesso-lhe caro leitor, outra lágrima se aflora no canto do meu olho esquerdo. Como estou só, com uma nova caneca de chocolate quente, deixo que escorra livre para abrir caminho às outras que agora querem sair...
Preciso parar.
Diferente do Obama, é no meu olho esquerdo que a emoção é incapaz de se esconder...