Dias atrás, um bom amigo deu-se ao trabalho de telefonar, só para despertar-me da letargia, cada vez maior, que soçobra a vontade de atualizar este blog.
“O Brasil não tem jeito!” – disse-me pesaroso, – “Mas é importante, e cada vez mais necessário, que mais e mais pessoas como você continuem a mostrar o que está errado no país...”
– Mais e mais pessoas? – interrompi-o com absoluta ironia. – Onde estão essas “mais pessoas” que não as vejo?; nem leio! Quantas paredes as acoitam que as impede de se darem às claras do dia? O Brasil continua a ser roubado, dilapidado, enganado e o povão quer é mais... Onde estão essas pessoas de vozes tão sonoras, que tanto se importam e de quem você tanto fala?
Ele não soube dar nomes ou não quis; o que deu no mesmo! Poderia ter mencionado Reinaldo Azevedo, o único, na minha opinião, a demonstrar realmente, e a diário, que se incomoda com a velhacaria, roubos e mentiras petistas... Mas não o fez. Preferiu o conforto da ambigüidade generalizada.
A conversa prosseguiu ainda por algum tempo sem ele se preocupar com a conta do telefone. A despeito dos meus alertas para o fato, parecia determinado a persuadir-me de que há pessoas em seu infausto país a se importarem com os rumos desvirtuados pelos quais está enveredando... E eu deveria continuar a me importar...
Nesta altura, não sei como, veio à baila o nome de Ferreira Gullar, de quem ele é amigo. O fato que narrou eu já havia lido e aplaudido. O extraordinário poeta recusara a indicação para a Academia Brasileira de Letras, mesmo que recebesse muitas cartas de “imortais” pedindo-lhe que aceitasse.
Quando finalmente nos despedimos, apesar da satisfação de ter conversado com ele, pois há anos não nos falávamos, uma onda de tristeza abateu-se sobre mim. Entre uma baforada e outra do charuto percebi o quanto esse “paíf”, aos poucos, tal como a fumaça, vai-se diluindo no meio dos arquivos das minhas reminiscências; sobretudo por entre as frestas dos meus interesses...
Nada como a distância para se experimentar o provérbio: “olho que não vê, coração não sente”.
Se antes os absurdos éticos e amorais dos brasileiros causavam-me agonia, um desespero de tirar o sono, hoje toda essa falta de vergonha resvala... Parece até resto de pesadelo sonhado que, já desperto, as horas do dia vão se encarregando em desvanecer.
Confesso que depois de uma reles ladra de bancos ter sido eleita para assumir a presidência da república, algo no meu intimo se quebrantou definitivamente. Por fim, enxerguei com toda a claridade o quanto o Brasil é um país sem esperança, repleto de canalhas; comandado por escroques eleitos por humanóides sem cérebro, a serviço da bandidagem que prolifera em cada esquina.
Se algum dia sonhei em ver o Brasil se transformar num país decente, hoje não sonho mais.
Não há mais brasileiros de verdade. Não há mais patriotas capazes de lutar contra a corja de bandidos que dominou Brasília. Quanto muito, haverá, talvez, algumas poucas vozes isoladas, roucas, a pregar no deserto da indiferença nacional, como é o caso de Ferreira Gullar. Este poeta admirável prefere declarar-se deprimido para justificar a recusa de fazer parte da Academia Brasileira de Letras; indicação que havia aceitado reservadamente em junho do ano passado.
Em boa hora a vaidade sedutora do primeiro momento cedeu lugar à afirmação da honra; à dignidade dos seus 80 anos de vida integra e muito laureada sem precisar de fardões e plumas para receber um “mérito” tardio, tirado do desespero de um grupelho em encontrar alguém realmente imortal para lhes dar sentido à imortalidade que julgam possuir, mas não possuem.
Mario Lago dizia que o bom da ABL eram os biscoitos do chá das cinco. Apenas e tão-somente os biscoitos. Assisadas palavras!
Não é de hoje que a ABL se transformou num lupanar de vaidades. Numa agremiação de ignorantes; de estúpidos também. Velhos decrépitos que nem a idade os tornou sábios... salvo, obviamente, alguns honrosos e eternos nomes como Lygia Fagundes Telles, Ana Maria Machado, Ariano Suassuna, Cleonice Berardinelli e João Ubaldo Ribeiro. O resto, resto é.
Machado de Assis dizia que a ABL "é a glória que fica, eleva, honra e consola"... - Talvez no seu tempo. Talvez até final dos anos 1970... Quando José Sarney lá se sentou tais palavras perderam sentido.
De lá para cá vi a outro, igualmente corrupto e corruptor, infestar essa casa: Roberto Campos. E antes dele, Roberto Marinho, o execrável manda-chuva das organizações Globo que deveria ter sido trancafiado num uniforme listrado e não galardoado com um fardão emplumado.
Vi também a um ignorante da gramática, a um iletrado da sintaxe, a um medíocre do idioma ser escolhido para envergar o fardão: Paulo Coelho. O homem de mente fértil, dos gerúndios abstrusos, do “acabando de começar”, do “descendo para baixo”, do “subindo para cima” e de tantos e múltiplos acintes à inculta e bela, última flor do Lácio.
Tão abjeta figura recorda-me outra, a do hipócrita eclesiástico Dom Lucas Moreira Neves, ex-arcebispo de Salvador, a quem conheci bem, tanto na vaidade megalomaníaca como nos enredos políticos em que se emporcalhou. Que o inferno o torrifique!
E por falar em coisas desagradáveis, melhor esquecer que Getúlio Vargas um dia passou pela casa ou que o pequeno Murilo Melo Filho todavia a ela pertence, fazendo-a ainda menor do que ele.
Portanto, não é de surpreender que a principal função da Academia Brasileira de Letras, a de vigiar e cuidar da evolução do idioma, esteja hoje relegada à irresponsabilidade... ao absurdo!
Não nos esqueçamos do fiasco na publicação do VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa) e das sandices que até hoje lá constam... malgrado todas a correções e inspirações oníricas... face à esdrúxula nova ortografia... do favelês.
Da incompetência na escolha dos seus membros “imortais” é possível compreender os motivos pelos quais o português-brasileiro caminha a passos largos para o favelês-afavelado, misturado a Lulês e Dilmês, na mais vil inescrupulosidade de uma morfologia estólida, pautada por lexicologias e lexicografias aberrantes, tudo derivado como comprovam as publicações dos próprios “imortais”... que da Academia Brasileira de Letras fazem parte... e que das letras perderam o rumo.
Se Mario Lago ainda fosse vivo, com absoluta certeza, nem para provar dos biscoitos, apareceria hoje nessa casa para sentir alguma glória pelo seu trabalho.
Não há glória em ombrear com Paulo Coelho ou José Sarney ou Marco Maciel. Menos ainda sentar-se ao lado de um Eduardo Portella ou do patético e confuso Carlos Heitor Cony ou de um tal Antonio Carlos Secchin que nem no fardão de imortal consegue ser conhecido...
Muito pelo contrário!
Creio que de junho de 2010 para cá, Ferreira Gullar, ganhador do Prêmio Camões, percebeu a desonra imensa que seria ver seu nome e obra se imiscuírem a tais necedades. Não surpreende que tenha se declarado em depressão.
Eu diria o mesmo, pois seria perda de tempo explicar o óbvio. De nada adiantaria jogar luz na indecência em que se transformou a casa de Machado de Assis e José do Patrocínio. Os vaidosos que hoje por lá arrastam os pés, e as almas também, dificilmente conseguiriam entender a verdade... se esta lhes fosse mostrada.
Para os atuais 39 “imortais” creio que a vaidade e a astúcia são mais fortes que a defesa do idioma ou dos princípios que fundaram a ABL, conquanto mais forte que a vaidade seja o sentimento de que a Globo já se encarrega do assunto e a eles só compete desempenhar o papel determinado pelo cerimonial no chá das cinco.
Essa fidelidade ao ritual dos fundadores e patronos, esses sim, imortais de fato, parece ser suficiente para levar aos espíritos dos trinta e nove vivos as suas próprias recompensas.
Não obstante, embora vaidosos, loucos não são. Já se deram conta que as suas obras e politicagens são insuficientes e que desconhecem, sobretudo, as formas mais sutis do razoamento filosófico daqueles que, de verdade, deram vida e razão à ABL. Portanto só lhes resta aceitarem criaturas de igual obscurantismo, pois imortais autênticos, como Ferreira Gullar e tantos outros, sensatamente se recusam a dar brilho a tamanha opacidade.
Que frustrações enormes devem sentir as almas de Olavo Bilac, Castro Alves, Manuel Bandeira, Joaquim Nabuco, Coelho Neto, Gonçalves Dias, Jorge Amado e, principalmente, Machado de Assis... apenas para recordar alguns verdadeiramente imortais.
Parabéns a Ferreira Gullar por ter-se recusado a sentar ao lado de velhacos e de medíocres da língua portuguesa.