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terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Madrugada Brasileira

Texto de Fernando Luis Pinheiro [17/12/2007], para este blog, enviado de New York.
A Madrugada brasileira tem peculiaridades muito interessantes. Por exemplo, o Sol a odeia. Dizem! Ninguém sabe bem por quê; entretanto, todo o santo dia volta para aquecê-la, radiante e deslumbrado. Estranho, não? – Isso mais parece uma atitude de quem ama... Mas enfim. – Do mesmo modo que a idolatra, acusa-a de ser demasiado frívola; de não saber escolher as companhias; de sair com qualquer um... Quando a ela se refere, chama-a de metrômana! Até certo ponto tem razão. Castidade não é um dos seus predicados mais notáveis, embora possua carisma e qualidades insuperáveis; uma delas a inocência absoluta, incapaz de distinguir entre o bem e o mal ou de compreender os sofismas “inteligentes” que os homens filosofam. Quando ela não se entrega à lúbrica Chuva ou ao Vento proscrito sem consciência, sai pra vadiar com os Trovões, numa gritaria só; como histéricos a satisfazer a necessidade de atenção. O Sol detesta esse tipo de exibicionismo. Para exibido já basta ele. Outras vezes, acusa-a de depravada por liar-se despudoradamente com o Frio, só com uma frente fria por cima. Com o Verão ela faz pior; nem frente usa. Prefere uma aparência mais estival. Quanto muito, às vezes, se lhe dá na telha, aqui e ali rouba pedacinhos de nuvens para cobrir-se as partes pudicas... E o Céu, extasiado, desdobra-se como uma cortina para salpicá-la de estrelas e vê-la desfilar, de horizonte a horizonte, com o seu manto de luzes a esvoaçar acima da urbe.

Nos últimos anos, no Rio de Janeiro, mais que em qualquer outra cidade do Brasil, a Madrugada deu para passear de braço dado com a Morte; só para ver como são arrebatadas, – às dezenas, – as almas pobres morro acima ou as almas ricas dos turistas à beira-mar; como um voyeur necrófilo a se divertir com corpos sem vida, espalhados nas calçadas esburacadas; todos os dias. Depois cai em depressão e apaixona-se pelo primeiro que a chama de aurora boreal; que é o seu grande sonho. Contudo, ela gosta mesmo é de ser chamada de Alvinha; porém, só pelos mais íntimos. Uma espécie de privilégio pelas lembranças que eles e elas, nela deixaram.

Entretanto, digam lá o que disserem, o Silêncio é o seu melhor amigo; o mais imutável, o mais leal. Ele a entende. Defende-a por compreender-lhe os medos e os enredos. Vivencia, como se seus fossem, os segredos mais inconfessáveis que lhe doem na alma. Dizem que é por causa dessa afeição pelo Silêncio que o Sol afronta a Madrugada. Mas quem conhece tal animosidade pouco se atreve a meter o bedelho. O Sol é perigoso e muito esquentado! Como todo poltrão, é ciumento possessivo; às vezes, um assassino impiedoso. Já dona Alvinha é o oposto. É calma e dadivosa. Serena, tudo para ela está bem. É como se despossuída de querer, existisse. Nunca pede nada, nem incomoda ninguém. Suspeita-se que possua baixa auto-estima. Dá a impressão que não se valoriza, porque nunca deixa transparecer que também tem tristezas, decepções e sonhos jamais alcançados. Pura ingenuidade. É evidente, se comparada ao Sol, os dois têm personalidades antagônicas; como escuridão e claridade, por exemplo. Por isso não se bicam. E o pior,... não há diálogo entre eles. Aliás, nunca houve; mas por culpa do Sol que a assusta ao alvorecer. Quem os vê, pode até acreditar que são a demonstração inequívoca que atração entre pólos opostos não passa de crendice popular. Mas isso é balela. Entre eles, a atração que os impulsa, é a mesma que os afasta. Como uma paixão enlevada que floresce entre a timidez e o arrebato.

Se o Sol soubesse o quanto a Madrugada se vê arredada e desconexa da turbulência mundana da cidade... Que as aventuras dela são paliativos para amenizar a dor da desesperação... Também, pudera, a noite coloca-a generosamente, todos os dias, no mundo para deixá-la morrer sozinha. Já nasce com hora certa para morrer. Como é possível existir assim? E o Sol nada faz. Derivado disso, ela se vê povoada de pesadelos que não a deixam dormir ou sonha com mundos inalcançáveis... Enquanto a oeste, ele esconde-se tranqüilamente sem se preocupar com ela. Já a aconselharam a procurar o Furacão para que este lhe afaste os medos para longe; mas... no Brasil não existem furacões. Apenas Tempestades! E estas são erráticas e egocêntricas. Incapazes de ajudarem seja quem for, menos ainda a Alvinha, coitada.

Se o Sol visse como ela se enfastia com o comportamento dos brasileiros... Como a Solidão a atormenta com acusações dolorosas quando se perde nalgum antro político ou nos braços de quem apenas a usa e não a quer... Alvinha nem se distrai mais com os rapazes dos morros que se atiram balas traçantes uns aos outros... E passou a chorar de pena quando esses moços se divertem alvejando crianças e adultos dentro das próprias casas. Cansou de ser manipulada por poetas e cantores que dela desfrutam, sem cerimônia, para enaltecerem a Lua, a versos, ou as estrelas sem ao menos a romancearem. Tudo para ela virou um enorme fastio. Não lhe interessa mais os envelopes e papelotes trocados de mãos nas esquinas sem dono; nem as prostitutas e travestis a enfearem a orla marítima; nem a meninada ao relento, nos parques e becos, a fumar crack ou cheirando cola para se aquecerem ou driblarem a fome. As negociatas nas esplanadas e nos restaurantes de luxo tornaram-se mostras de curtas-metragens brasileiras, encenadas por canastrões e dirigidas por diretores sem talento. Fartou-se de esperar horas de pé para assisti-las e mais horas sentada para terminarem, sabendo que os finais são sempre os mesmos: corruptor comprando corrupto em cenas veladas com amantes no meio de chanchadas descabidas de ética e moral.

Alvinha se sente muito só! Por isso recorre ao Silêncio... quase a diário; nas horas mais insanas. O Silêncio não se importa. Sempre a amou, apesar da relação ciosa e doentia que o une à Verdade brasileira. Quando a Madrugada se interpõe nessa relação a dois, o convívio entre os três chega à promiscuidade, é certo. A Verdade brasileira não é tão ciumenta nem tão possessiva quanto o Sol; muito menos, pragmática. Tem personalidade bipolar, caráter dúbio e opção bissexual; muito diferente das suas irmãs espalhadas pelo mundo. Nunca deixa o Silêncio; nem mesmo quando a Alvinha o toma para ela. A Lua Invídia, sofre do complexo de perseguição e mania de superioridade; não lhes dá trégua. Conta tudo ao Sol e deixa-o de núcleo incendiado. É uma língua de trapo. Vive espalhando por aí o que o Silêncio e a Verdade fazem na Madrugada. Mas ela não presta atenção que é por causa da Madrugada que a Verdade goza no Silêncio. Somente com as duas ele se contextualiza com a sua verdadeira essência. Que a Verdade se impõe na Madrugada... Isso é fato. Um tanto sórdido, mas é.

Entretanto, a Lua pode ser bisbilhoteira e intriguista, mas não mente. Quando a Madrugada surge, a Verdade brasileira revela-se tal como é: sádica! Cruel em muitos instantes. Às vezes contraditória, prolixa e mitômana. Mas mesmo assim, nunca deixa o Silêncio falar. A Verdade sempre o cala com zelo grudando-se aos lábios dele. Ao Silêncio só lhe resta consentir e tentar suavizar a Verdade quando chega a Madrugada.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Pior que viver no Brasil é ter que regressar a ele.

Regressar ao Brasil tem-se tornado, nos últimos anos, motivo de vergonha, de raiva e, sobretudo, de profunda decepção com os meus compatriotas. Desta vez não foi diferente. Desta vez foi até pior.

No amontoado de revistas e jornais que guardaram durante a minha ausência vi retratado, no branco, a negritude funesta da alma que se tornou a brasileira. 


O “pretejar” das consciências caminha cada vez mais para a escuridão total; para ausência absoluta da falta de caráter de um povo. O sem escrúpulos “nestepaiz” chegou ao ponto de adulterar o leite com soda cáustica e água oxigenada. 

Leite que tem como seu principal usuário a criança que precisa crescer com saúde. 

O queijo também foi falsificado às toneladas. Isso também li. O Laboratório “X” dedicou-se ao longo de vários anos a adulterar e a falsificar exames de DNA, tornando filho quem não é filho de pai/ mãe que, em alguns casos, conforme li, nem trepação houvera.

Em pouco mais de um mês, a quantidade de crianças recém nascidas, enfiadas em sacos de plástico, jogadas no lixão, em beira de estrada e nas margens de rios, são, definitivamente, o prenúncio marcado do pouco valor que já se dá ao ser humano “nestepaiz”, de governo corrupto, e analfabeto na presidência, eleito por uma maioria esmagadora de gente sem princípios morais, cívicos ou de cidadania.

Os aviões e helicópteros continuam a cair pelo descaso e pela corrupção generalizada que impera aqui, mais que em outros lugares. Três helicópteros despencam no mesmo dia e se descobre que o agente do governo, num deles, nem habilitado estava para a função que desempenhava. 


No dia seguinte cai um avião particular na sopa de uma família que almoçava reunida. Todos mortos e o fraudador da constituição nem se pronuncia a respeito. Que pode ele pronunciar se é um rematado fraudador?

A cidade maravilhosa já virou um Congo às claras e abertas. Ainda lembro o quão acertado foi aquele jornalista, nos jogos pan-americanos lá passados, quando escreveu no quadro de avisos da central de jornalismo: “Welcome to Congo”. Foi criticado, defenestrado, mas estava certo como nunca. 


Só aquele Prefeito que lá se locupleta, e no seu ex-blog escreve abobrinhas, disfarça a realidade. Ah... em conjunto com aqueles, milhares deles e delas, que se manifestam pela paz e depois das passeatas vão correndo aos morros para se abastecerem de drogas, que alimentam a guerra para a qual querem tanto que haja paz.

Brasília já virou uma latrina a céu aberto. 


Saí daqui com o Presidente do Senado a ponto de ser cassado. Volto e descubro que até o paladino da ética, [só para quem não o conhece], o Sr. Mercadante, mercantilizou a absolvição do meliante, do sem caráter, do sem escrúpulos. 

Não me surpreende que no carimbo do Congresso esteja escrito “CONGREÇO nacional”. Isso mesmo: com “Ç”. Não é à toa que em Jundiaí, no interior de São Paulo, vários pais pediram na Justiça que filhos fossem reprovados. 

Os pais de um dos pimpolhos, o que estava na quarta série do Ensino Fundamental, recorreram ao Judiciário para pedir a reprovação do próprio filho. Outros dois casais alegaram, em outro pedido, que os seus rebentos receberam um ensino precário numa escola municipal e não poderiam ser aprovados. Nem tudo está perdido. Ainda existe alguma ética “nestepaiz” de maioria sem ética, sem escrúpulos e sem vergonha na cara.

Ainda na política leio que a Justiça acusa o Zeca do PT, o ex-governador de Mato Grosso do Sul, de um desvio milionário de dinheiro público. Ele é acusado de improbidade administrativa, peculato e uso de documentos falsos. Desviou dinheiro do governo do estado por meio de contratos superfaturados e notas frias emitidas por gráficas e agências de publicidade.... 


Isso não é novidade! É mais outro bandido. Sendo do PT que novidade há na notícia? Que peteísta é bandido, já sabemos há muito tempo. Pena que a maioria sabe disso e vota neles.

Neste meu regresso ao Brasil, após 45 dias fora, dei-me conta que se algum grande acontecimento ocorreu ‘nestepaiz’ deve ter ocorrido em absoluto silêncio e por força da inércia. 


Entretanto, percebi que por detrás das notícias visíveis e perceptíveis que li há um monstro adormecido, preguiçoso e torpe que se esconde no coração de todos aqueles que aqui vivem; ele raramente se move ou tenta agarrar algo. 

Definitivamente não quero ser parte deste país e recuso-me frontalmente a abrigar tamanha monstruosidade dentro de mim. Regressar ao Brasil já não causa emoção e sim desespero e aflição.

sábado, 22 de setembro de 2007

Médicos fazem festa e jovem morre em hospital

Jornal O Dia – por André Bernardo e Pâmela Oliveira

A dona de casa Luciana Bellarmino de Anchieta, 36 anos, disse que durante as 24 horas que permaneceu no hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, à espera de uma vaga no CTI para seu filho, Wallace Bellarmino da Cunha, 14 anos, ouviu comentários a respeito de uma festa que médicos residentes estariam realizando nas dependências do hospital. Segundo a TV Bandeirantes, um documento comprova a chegada de cerveja no local para a festa. O garoto morreu no hospital.

"Quando ouvi aquilo, nem acreditei. Até pensei em reclamar, mas fiquei com medo. Já imaginou se fizessem alguma maldade contra o Wallace?", reclama Luciana, que ainda não decidiu que providências pretende tomar contra o município pela morte do filho.

"Quando começou a passar mal, meu filho ainda pediu para não ser levado para o Souza Aguiar. Ele tinha medo daquele lugar porque sabia da fama do hospital. Parece que o Wallace estava adivinhando", lamentou.

Horas antes do desabafo de Luciana, o secretário municipal de Saúde, Jacob Kligerman, em entrevista a uma rádio, defendeu a direção da unidade. "Prestigio muito o atual diretor", disse Kligerman, que demonstrou descontentamento com as denúncias . "A quem interessa essas reportagens? A mim interessa que o Souza Aguiar seja um exemplo para o Rio", disse.

Para a dona de casa Rosane da Silva, 32 anos, porém, o Souza Aguiar ainda está longe de ser um modelo, como ambiciona o secretário. Ontem Rosane esperou por mais de três horas para que sua avó, Maria Aparecida, de 89 anos, fosse atendida na Emergência da unidade.

"Infelizmente a gente não tem para onde correr. Mas se isso tivesse acontecido com minha mãe internada eu tinha quebrado tudo", disse ela, ao saber que médicos residentes deram uma festa no hospital.

Outra a reclamar do atendimento da unidade foi Mônica Lima, 37 anos. Ela foi atendida na emergência às 10h50 por um acadêmico que receitou um remédio e pediu que esperasse por um médico. Às 15h09, o médico ainda não havia aparecido. "É absurdo. O hospital é público, mas nós pagamos impostos", protestou.

A entrada de cerveja para a festa realizada na residência médica - registrada no livro de ocorrência do hospital - deixou indignada a vereadora Andréa Gouvêa Vieira, da Comissão de Saúde da Câmara. "É o fim do mundo. Eu, se fosse o secretário, chamaria a responsabilidade. Ninguém tem coragem de enfrentar o corporativismo médico. Vou fazer requerimento de informações a secretaria." O Conselho Regional de Medicina (Cremerj) acionou a Comissão de Ética do Hospital Souza Aguiar para apurar os fatos ocorridos e apresentar relatório.

Engraçado como o Prefeito César Maia [DEM-RJ], não fala nada disto no seu ex-blog. O contrário é que deixaria de ser engraçado. 


Mas César Maia é César Maia, a personificação da economia intelectual. Entretanto, o mais curioso disto tudo é que casos como este acontecem a diário no Rio de Janeiro, ex-cidade maravilhosa, hoje capital do crime, da droga, da corrupção no Brasil e ninguém faz nada. 

Só uma população covarde e oportunista permite este tipo de caos. Não é só no Rio que estes absurdos ocorrem. 

É no Brasil inteiro, onde uma população sem caráter e sem moral se acovarda diante dos desmandos na saúde. Permitem que um imposto criado, precisamente, para sanear a saúde [CPMF], seja utilizado para fins escusos. 

Portanto, têm mais é que agüentar situações humilhantes como narra a reportagem; ou como a greve dos médicos nos Estados do Nordeste.

Enquanto o povo desta merda de país não se der conta do seu papel na sociedade em que vive, aviões da TAM continuarão a cair, festas nos hospitais se sucederão e humilhações humanas serão perpetradas contra humanos. 


O Brasileiro não tem vergonha na cara. Portanto, merece qualquer tipo de destrato. Covardes!

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Uma aberração ...


Da Associated Press – Terça, 18 de setembro de 2007, 11h58


SENADOR AMERICANO PROCESSA DEUS POR ESTRAGOS

Um senador americano do Estado de Nebrasca está processando Deus por causar inumeráveis mortes e horror, além de ameaças terroristas. Ernie Chambers, furioso por outro processo que considera frívolo, diz que quer mostrar que qualquer um pode processar quem queira nos Estados Unidos.

Chambers diz em seu processo que Deus fez ameaças terroristas contra ele e seus eleitores, causou medo e provocou "ampla mortandade, destruição e aterrorização de milhões de habitantes da Terra".

O senador, que costuma escapar das orações matinais das sessões legislativas e já fez críticas a cristãos, também afirma que Deus causou "apavorantes enchentes, horríveis furacões e terríveis tornados".

Chambers diz que sua ação foi provocada por um processo federal contra juiz que barrou palavras como "estupro" e "vítima" em julgamento sobre ataque sexual. O réu no caso, Tory Bowen, processou o juiz Jeffre Cheuvront alegando que ele violou seus direitos de livre discurso.

A foto do autor, [acima], já diz tudo e pouco há o que dizer de tamanha e infeliz reprodução humana. Entretanto, este mundo, realmente, está cada vez mais doido. Como diz a minha empregada, é o fim dos tempos; o ser humano perdeu completamente a compostura, a racionalidade e o seu próprio respeito. 


Cá como lá, ou vice-versa, parece que a política está tomada por palhaços e gente sem vergonha. Isto sem falar que esse senador é membro do senado mais poderoso e rico do planeta. É um homem, negro, que aos 70 anos de idade esqueceu o que a vida lhe ensinou e envergonha, agora, toda a sua raça. 

É de vomitar!

sábado, 15 de setembro de 2007

Os números da vergonha

Do Extra Online - AL - 15/09/2007 - 12:58

Protegidos por uma sessão secreta, com o apoio do governo e o aval do PT, senadores condenam a ética e absolvem Calheiros” – Otávio Cabral - (Veja)

Com acordos às escondidas, ameaças, chantagens e protegido pelo anonimato, um grupo de 46 senadores desferiu na semana passada um golpe letal contra a credibilidade do Senado Federal e dos políticos em geral. Ao absolverem o senador Renan Calheiros da acusação de quebra do decoro parlamentar, os 46 senadores (os quarenta que votaram contra a cassação e os seis que se abstiveram) autorizaram um novo padrão de conduta para os nobres do Parlamento brasileiro – o podetudo. De agora em diante, estabeleceu-se o consenso entre a maioria de que não existe nada de mais no fato de um parlamentar, como Renan Calheiros, usar um lobista de empreiteira para pagar suas despesas pessoais. Não é da conta de ninguém tentar saber de que forma um senador, como Renan Calheiros, conseguiu fazer fortuna na política. Está liberado de possíveis constrangimentos qualquer um que, como Renan Calheiros, queira fazer negócios usando malas de dinheiro de origem desconhecida. Ficam autorizados a apresentação de notas frias, o uso de bois-fantasma, a invenção de empréstimos para, assim como Renan Calheiros, tentar justificar contas que não fecham. Na sessão secreta que absolveu Renan Calheiros, além de massacrarem a ética, os 46 senadores também viraram as costas para a sociedade, envergonharam o Parlamento e reduziram o Senado ao mesmo patamar moral do presidente Renan Calheiros.

"A era dos grandes tribunos, referências éticas do Parlamento, que dividiam o Senado com a massa ignara, acabou há tempos", diz Octaciano Nogueira, professor de ciência política da Universidade de Brasília. "Hoje, resta-nos somente a massa ignara." De fato, nos últimos meses, principalmente depois da crise gerada pelas acusações contra o presidente Renan Calheiros, personagens bizarros, como os senadores Wellington Salgado, Almeida Lima e Sibá Machado, assumiram posições de destaque no palco dos debates. São figuras sem propostas, sem idéias e até sem votos. O peemedebista Wellington Salgado e o petista Sibá Machado são suplentes que assumiram o mandato na ausência dos titulares. Como eles, há outros onze reservas que não devem explicações a ninguém e acabam muitas vezes se prestando ao papel de vassalos de interesses diversos. Esses personagens descompromissados ajudaram Renan Calheiros a escapar da cassação, alguns apenas em troca de pequenos favores. Mas eles não estavam sós. Na surdina, o governo e o PT se associaram a Renan para costurar um acordo que garantiu a salvação do mandato do senador – desta vez à custa de grandes e dispendiosos favores, com ingredientes de chantagem e ameaça e com a participação de personagens conhecidos pela atuação heterodoxa no submundo da política.

JOSÉ SARNEY - Sempre agindo na sombra, foi um dos fiadores do acordo que culminou na absolvição de Renan

A VERSÃO
O senador admite que trabalhou pela absolvição de Renan Calheiros, mas não participou de nenhum tipo de acordo para que ele deixasse a presidência.

O FATO
Sarney foi o mentor da idéia de barganhar a presidência do Senado em troca do apoio dos petistas. A proposta foi levada ao presidente Lula por sua filha, a senadora Roseana Sarney.

O plano de salvação de Renan Calheiros começou há duas semanas no gabinete do presidente Lula, no Palácio do Planalto, onde esteve, em audiência, a senadora Roseana Sarney, do mesmo PMDB de Renan Calheiros. Líder do governo no Congresso, Roseana foi ao presidente tratar das articulações para a aprovação da CPMF. Depois de discorrer sobre as dificuldades que o governo teria para prorrogar o imposto do cheque, a conversa derivou para a situação de Renan Calheiros. A senadora disse que estava muito preocupada com os últimos acontecimentos e, principalmente, com as adesões de parlamentares petistas à tese da cassação. Como se tivesse portando um recado, Roseana advertiu: "A pior coisa que pode acontecer ao governo é ter o Renan como inimigo". Depois vaticinou: "Se Renan deixar a presidência, a prorrogação da CPMF ficaria muito difícil, pois ele colocaria o PMDB para rejeitar a emenda". O presidente entendeu a mensagem e disse apenas que seria mais fácil angariar votos contra a cassação se Renan renunciasse ao cargo. Roseana relatou a conversa ao pai, o senador José Sarney, que levou a proposta a Renan Calheiros. O senador disse que não renunciaria porque não confiava no PT. Suas contas ainda lhe garantiam a vitória no plenário por uma margem apertada.

Dois dias antes da votação, na segunda-feira, o senador José Sarney telefonou para Renan Calheiros e disse que o risco de derrota aumentara consideravelmente. A mesma preocupação era compartilhada pelo ministro das Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia, destacado pelo presidente para acompanhar o caso. A contabilidade oficial de Sarney e Mares Guia apontava para uma divisão absoluta: 40 votos a favor e 40 votos contra a cassação. Sarney e Mares Guia não tinham certeza sobre o voto do senador Marcelo Crivella, considerado um aliado, e informaram a Renan que era muito arriscado chegar à sessão com a segurança de um palpite. No mesmo dia, Sarney, Roseana e Mares Guia viajaram para São Luís, onde participaram de um jantar promovido por uma empresa mineradora. Lá, encontraram o empresário Gilberto Miranda – um ex-suplente profissional, rico e conhecido em Brasília pelo excepcional talento em convencer certos tipos de pessoas com certos tipos de fraqueza a mudar radicalmente de idéia. A partir daí, as articulações para salvar Renan passaram a acontecer em ritmo frenético. Gilberto Miranda disparou telefonemas para dezenas de senadores em Brasília. Falou com vários deles, na maioria integrantes da base aliada. Um dos poucos a admitir a conversa é o peemedebista Gerson Camata. Miranda perguntou a Camata qual seria a condição para ele reconsiderar o voto a favor da cassação. Camata rechaçou o cerco e disse que nada o faria mudar de opinião.
MERCADANTE - O senador eleito com 10 milhões de votos foi reduzido a tarefeiro do partido na batalha contra a moralidade. Uma pena

A VERSÃO
O senador petista garantiu que não pediu votos para Renan Calheiros nem participou de nenhum acordo para absolver o colega peemedebista.

O FATO
Além de se abster da votação, o que ajudou a salvar Renan, o senador fez campanha intensa pela absolvição, inclusive garantindo a aliados que Renan deixaria a presidência.

De volta a Brasília, José Sarney e Walfrido decidiram pela tacada final. Ainda do avião, um Legacy da FAB, Walfrido conversou com o senador Aloizio Mercadante e Sarney passou o recado às lideranças no Congresso. Alertaram sobre o placar apertado e combinaram de procurar Renan com a seguinte proposta: caso ele sinalizasse que se afastaria temporariamente do cargo após a votação, o governo e o PT trabalhariam no plenário para absolvê-lo. Já era madrugada de quarta, dia da votação, quando o grupo desembarcou na base aérea. Sarney levou a proposta de afastamento ao presidente do Congresso, que, de início, hesitou, mas acabou aceitando depois de receber a garantia de que não haveria traição entre os petistas. Ficou combinado que os senadores petistas iriam se abster, uma forma de identificar o voto. Nas contas dos aliados, era preciso convencer ao menos dez senadores a fechar com a absolvição. No plenário, coube ao senador Mercadante difundir a versão de que a cassação de Calheiros se resumia a uma disputa política que só interessava à oposição. Os petistas, porém, não precisam mais de justificativa alguma. "Com discursos assim vocês da oposição nunca vão ganhar da gente", ironizava o senador petista João Pedro, criticando abertamente os que defendiam a cassação. Uma semana antes, o próprio João Pedro havia votado contra Renan Calheiros no Conselho de Ética.

Com os petistas no bolso, bastaram algumas operações laterais para sacramentar a vitória de Calheiros. Sabe-se que Renan e seus aliados conseguiram buscar votos na oposição, à custa de chantagem, cobrança ou promessas de favores. Senadores que se diziam indecisos em público fizeram pacto de sangue com Renan no privado. O tucano Papaléo Paes, por exemplo, chegou a dar entrevistas a favor da cassação. No plenário, ajudou Roseana Sarney a contabilizar votos a favor de Renan. Houve traições mais sórdidas. Um senador da oposição, que zelou como se fosse um xerife pela aprovação do processo de cassação, procurou o presidente do Congresso e lhe confidenciou que sua posição não passava de um teatro para seus eleitores. Ele estava agradecido pelo belo emprego no governo que Renan arrumou para um de seus filhos. Enquanto isso, em outro flanco, Gilberto Miranda, o empresário rico e recém-casado, pegou um jato para Brasília e continuou as conversas com os senadores. No plenário, o peemedebista Wellington Salgado avisava: "Tá rolando grana, tá rolando muito argumento". Um senador que ouviu o comentário ainda perguntou do que se tratava. Salgado repetiu: "Tá rolando argumento", explicou, esfregando o polegar no dedo indicador, sinal clássico que significa dinheiro. Absolvido, Renan, conforme o combinado, pegou a família e foi descansar em Maceió. Ele ainda terá de responder a outros três processos. O governo, satisfeito, comemorou discretamente. 


Os petistas, covardes, foram vistos se jactando no fundo do plenário logo depois da sessão. José Sarney embarcou para Natal, onde foi lançar um livro. Gilberto Miranda, com a missão cumprida, retomou sua lua-de-mel. E o Senado... E a opinião pública... E o Conselho de Ética. Que se danem. O que interessa são os "argumentos...".


"A imagem do Senado, hoje, é a de um pau de galinheiro."

[Demóstenes Torres, senador (DEM-GO)]


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