Adão e Eva
Ainda estou na sala de embarque. O vôo está atrasado. Outra vez.
Não sei o que acontece. Tampouco me importa.
Na fila de cadeiras à minha frente tem um casal verdadeiramente apaixonado. Daqui a pouco os seios dela vão virar purê.
Ou será que devo dizer “pirê”, como falam por aqui?
No perna pra cá, perna pra lá; mão aqui, mão acolá, já vi a calcinha da moça umas duas ou três vezes. É branca com algum tipo de florzinha, cujos detalhes passaram desapercebidos.
Acho que o casal não teve tempo de amassos antes de vir para o aeroporto.
Ou, quem sabe, os de antes ficaram incompletos para serem finalizados justo diante de mim?
No dedo dela tem uma aliança; no dele também. Se são recém-casados, a aliança brilha demais, leva-me a outros pensamentos...
Hoje em dia, as pessoas casam-se mais na busca utópica de um futuro tranqüilo, do que propriamente para exaltação de um sentimento chamado amor. O casal na minha frente contraria essa afirmação.
Acabo de ver a calcinha outra vez.
Nos séculos passados, raros eram as uniões realizadas em nome dessa afeição sublimada entre duas pessoas. A mulher era vendida pelo pai a uma outra família para uma união, cujos interesses políticos ou situacionais, resultassem em benefícios de ambas. Na minha frente acho que nada disso aconteceu.
Em princípios do século vinte e até aos anos setenta, suportavam-se situações degradantes, em nome da moral e dos bons costumes. O divórcio era um ato abominável, repudiado por toda a sociedade.
Os amassos também.
A sede incontrolável do homem em dominar tudo à sua volta fez criar conceitos inescrupulosos sobre a mulher. Se falarem mal da moça à minha frente, ela não poderá reclamar.
A ciência nunca conseguiu explicar, claramente, essa atitude genética entranhada no bicho homem. Talvez, porque a maioria dos cientistas são homens e só recentemente, a mulher ganhou a pulso o direito de entrar nesses círculos masculinos.
Quem sabe, num futuro ainda distante, isso possa ser esclarecido e eu não fique envergonhado com a mão dele entre as pernas dela, justo neste momento.
Um amigo meu defende uma teoria muito interessante a respeito.
Diz ele que esse domínio masculino sobre a mulher provém de uma vingança milenar trazida desde Adão; por causa da maçã da Eva, ele havia sido privado da boa vida, do “dolce far niente” do Paraíso.
Esse ódio transformou-se num fator genético passado de geração em geração. Por isso, os homens foram subjugando as mulheres em todos os seus aspectos. Primeiro classificaram-nas de “apenas fêmeas reprodutoras”.
Depois de “rainhas do lar”.
Muitos séculos mais tarde, quando algumas, contra tudo e todos, decidiram trabalhar, inventaram a profissão, “doméstica”, para diferenciar as independentes, as mundanas, daquelas que teoricamente valorizavam, as “domesticadas”.
Assim criaram dois tipos de castas femininas: As domesticadas e as rebeldes; estas últimas com quem procediam e ainda procedem com os assédios vários e desrespeitos mil.
Quando se deram conta que as “domesticadas” não eram assim tão mansas, numa tentativa de manter vantagem sobre elas, mudaram a profissão para “do Lar” ou “dona de casa”, tomando o cuidado na preposição “de” e não “da casa”.
Afinal, com esse pequeno eufemismo disfarçaram em nome de quem estava a escritura. Desta forma, permitiam-lhes trabalhos de meio expediente sem perder o controle.
Por sua vez a Eva, cheia de remorsos por ter-se deixado convencer pela cobra, também gerou um gene transmitido a todas as gerações futuras de mulheres. O da aceitação e submissão plena da vontade masculina; a anuência irrestrita da sua condição de reprodutora.
A própria Bíblia no seu Livro dos Gênesis relata, sem qualquer impedimento, a relação incestuosa de Lót, o sobrinho de Abraão, com as filhas depois de terem fugido da destruição de Sodoma e Gomorra.
Afinal a reprodução da espécie estava em jogo; se existem mulheres por perto, pouco importa o grau de parentesco, elas têm de reproduzir... Aliás, elas fazem questão de reproduzir...
O casal na minha frente, acho que não.
Escrita por homens, esta narração representa uma prova da deturpação mental masculina em relação à mulher e do domínio ferruginoso exercido sobre ela.
Aliás, sempre tendo a mulher como uma máquina reprodutora, esse livro histórico, sem perder os méritos intrínsecos e religiosos que possuiu, tende a ser um tratado de relações entre os diferentes personagens dominantes: o homem sobre a mulher.
Na minha frente parece-me que ocorre o contrário.
A necessidade constante do prazer masculino e da sua necessidade de auto-afirmação leva o homem a criar situações esdrúxulas e aberrantes em prol desse deleite e da justificação cabal da exigência em satisfazer-se fisiologicamente.
Será?
Cientistas do passado chegaram a provar que a mulher não sentia prazer no ato sexual. Milhões de mulheres acreditaram e ainda crêem nisso.
Ainda hoje, alguns povos praticam a infibulação. Ou então, cortam o clitóris da mulher simplesmente, para que estas se dediquem ao seu papel principal, vendando-lhes qualquer tipo de sensação.
Waris Dirie, a super modelo internacional e tantas mulheres do mundo, estão aí para demonstrar a realidade da estupidez masculina e a subserviência “burra” das mulheres.
Contudo, aparentemente ao longo dos séculos, algo fez com que se criassem anticorpos contra esses genes nocivos.
Talvez tenha sido a preguiça inerente no homem, diz esse amigo meu, a causa para a abertura e concessão de algumas liberdades femininas.
Obviamente, o ativismo peculiar da mulher permitiu-lhe aproveitar essas pequenas frestas de liberdade.
Vieram os decotes, os estudos escolares, a mini saia, o aborto, o divórcio, a capacitação profissional e, ultimamente, o comando de empresas; muitas delas passaram efetivamente a serem “donas da casa” e da fila de cadeiras à minha frente.
As pessoas ao lado levantaram-se incomodadas.
Não sei o que acontece. Tampouco me importa.
Na fila de cadeiras à minha frente tem um casal verdadeiramente apaixonado. Daqui a pouco os seios dela vão virar purê.
Ou será que devo dizer “pirê”, como falam por aqui?
No perna pra cá, perna pra lá; mão aqui, mão acolá, já vi a calcinha da moça umas duas ou três vezes. É branca com algum tipo de florzinha, cujos detalhes passaram desapercebidos.
Acho que o casal não teve tempo de amassos antes de vir para o aeroporto.
Ou, quem sabe, os de antes ficaram incompletos para serem finalizados justo diante de mim?
No dedo dela tem uma aliança; no dele também. Se são recém-casados, a aliança brilha demais, leva-me a outros pensamentos...
Hoje em dia, as pessoas casam-se mais na busca utópica de um futuro tranqüilo, do que propriamente para exaltação de um sentimento chamado amor. O casal na minha frente contraria essa afirmação.
Acabo de ver a calcinha outra vez.
Nos séculos passados, raros eram as uniões realizadas em nome dessa afeição sublimada entre duas pessoas. A mulher era vendida pelo pai a uma outra família para uma união, cujos interesses políticos ou situacionais, resultassem em benefícios de ambas. Na minha frente acho que nada disso aconteceu.
Em princípios do século vinte e até aos anos setenta, suportavam-se situações degradantes, em nome da moral e dos bons costumes. O divórcio era um ato abominável, repudiado por toda a sociedade.
Os amassos também.
A sede incontrolável do homem em dominar tudo à sua volta fez criar conceitos inescrupulosos sobre a mulher. Se falarem mal da moça à minha frente, ela não poderá reclamar.
A ciência nunca conseguiu explicar, claramente, essa atitude genética entranhada no bicho homem. Talvez, porque a maioria dos cientistas são homens e só recentemente, a mulher ganhou a pulso o direito de entrar nesses círculos masculinos.
Quem sabe, num futuro ainda distante, isso possa ser esclarecido e eu não fique envergonhado com a mão dele entre as pernas dela, justo neste momento.
Um amigo meu defende uma teoria muito interessante a respeito.
Diz ele que esse domínio masculino sobre a mulher provém de uma vingança milenar trazida desde Adão; por causa da maçã da Eva, ele havia sido privado da boa vida, do “dolce far niente” do Paraíso.
Esse ódio transformou-se num fator genético passado de geração em geração. Por isso, os homens foram subjugando as mulheres em todos os seus aspectos. Primeiro classificaram-nas de “apenas fêmeas reprodutoras”.
Depois de “rainhas do lar”.
Muitos séculos mais tarde, quando algumas, contra tudo e todos, decidiram trabalhar, inventaram a profissão, “doméstica”, para diferenciar as independentes, as mundanas, daquelas que teoricamente valorizavam, as “domesticadas”.
Assim criaram dois tipos de castas femininas: As domesticadas e as rebeldes; estas últimas com quem procediam e ainda procedem com os assédios vários e desrespeitos mil.
Quando se deram conta que as “domesticadas” não eram assim tão mansas, numa tentativa de manter vantagem sobre elas, mudaram a profissão para “do Lar” ou “dona de casa”, tomando o cuidado na preposição “de” e não “da casa”.
Afinal, com esse pequeno eufemismo disfarçaram em nome de quem estava a escritura. Desta forma, permitiam-lhes trabalhos de meio expediente sem perder o controle.
Por sua vez a Eva, cheia de remorsos por ter-se deixado convencer pela cobra, também gerou um gene transmitido a todas as gerações futuras de mulheres. O da aceitação e submissão plena da vontade masculina; a anuência irrestrita da sua condição de reprodutora.
A própria Bíblia no seu Livro dos Gênesis relata, sem qualquer impedimento, a relação incestuosa de Lót, o sobrinho de Abraão, com as filhas depois de terem fugido da destruição de Sodoma e Gomorra.
Afinal a reprodução da espécie estava em jogo; se existem mulheres por perto, pouco importa o grau de parentesco, elas têm de reproduzir... Aliás, elas fazem questão de reproduzir...
O casal na minha frente, acho que não.
Escrita por homens, esta narração representa uma prova da deturpação mental masculina em relação à mulher e do domínio ferruginoso exercido sobre ela.
Aliás, sempre tendo a mulher como uma máquina reprodutora, esse livro histórico, sem perder os méritos intrínsecos e religiosos que possuiu, tende a ser um tratado de relações entre os diferentes personagens dominantes: o homem sobre a mulher.
Na minha frente parece-me que ocorre o contrário.
A necessidade constante do prazer masculino e da sua necessidade de auto-afirmação leva o homem a criar situações esdrúxulas e aberrantes em prol desse deleite e da justificação cabal da exigência em satisfazer-se fisiologicamente.
Será?
Cientistas do passado chegaram a provar que a mulher não sentia prazer no ato sexual. Milhões de mulheres acreditaram e ainda crêem nisso.
Ainda hoje, alguns povos praticam a infibulação. Ou então, cortam o clitóris da mulher simplesmente, para que estas se dediquem ao seu papel principal, vendando-lhes qualquer tipo de sensação.
Waris Dirie, a super modelo internacional e tantas mulheres do mundo, estão aí para demonstrar a realidade da estupidez masculina e a subserviência “burra” das mulheres.
Contudo, aparentemente ao longo dos séculos, algo fez com que se criassem anticorpos contra esses genes nocivos.
Talvez tenha sido a preguiça inerente no homem, diz esse amigo meu, a causa para a abertura e concessão de algumas liberdades femininas.
Obviamente, o ativismo peculiar da mulher permitiu-lhe aproveitar essas pequenas frestas de liberdade.
Vieram os decotes, os estudos escolares, a mini saia, o aborto, o divórcio, a capacitação profissional e, ultimamente, o comando de empresas; muitas delas passaram efetivamente a serem “donas da casa” e da fila de cadeiras à minha frente.
As pessoas ao lado levantaram-se incomodadas.
Vocês já imaginaram como o mundo teria sido diferente, se tivessem sido as mulheres a escrever o Antigo Testamento ou o Alcorão, apenas para citar dois livros famosos que modificaram a face do ser humano?
Sacanagens como as que se desenrolam na minha frente seriam uma maravilha e não inspiração para esta crônica enquanto espero pelo embarque.