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terça-feira, 5 de maio de 2009

O que não disseram sobre a gripe do México

Os causadores da praga do México, chamada gripe suína e agora Gripe A.

Nomeiem os mortos!


por JAIME AVILÉS, do jornal mexicano La Jornada.

Para ler o original clique «AQUI». Está em inglês.

Acima de tudo, a gripe que mudou a vida (e morte) do nosso país é um grito de denúncia da pilhagem sistemática que nós, milhões de mexicanos, temos sofrido nos últimos 27 anos; – anos que nos transformaram hoje na fonte de infecção para toda a humanidade. O que aconteceu foi a conseqüência lógica e catastrófica de políticas irresponsáveis que dia a dia empurraram à pobreza cem milhões de nós, deixando a maioria faminta sem outra opção que a imigração ou o narcotráfico.

Durante o regime de Vicente Fox, o México teve os maiores lucros da sua história com a exploração do petróleo, porém, para nós nada sobrou dessa bonança. A maior parte do dinheiro foi usada para cortar impostos dos mais ricos entre os ricos e o resto – um trocado – está hoje nas cercas e montes de estrume dum rancho em Guanajuato [rancho presidencial de Fox em San Cristóbal, de grandes dimensões; a esposa de Fox é acusada de ter usado do poder pessoal para criar e enriquecer múltiplos negócios através dos filhos], nas companhias dos filhos de Marta Sahagún e nas contas bancárias de homens e mulheres do regime.

Enquanto isso, não há um único laboratório, nem mesmo no maior centro de conhecimento da nossa universidade nacional, a UNAM, capaz de detectar a mutação de um vírus ultimamente chamado de A/H1N1. Como Enrique Galván Ochoa e Luis Linares Zapata documentaram nas páginas do La Jornada – ao longo desta semana excepcional, – no México tínhamos uma empresa estatal chamada Birmex, que era capaz de fornecer "vacinas, imunoglobulinas e reagentes de diagnóstico para instituições de saúde pública dos estados da República mexicana". Fox desmantelou a Birmex.

Antes de Fox, o ex-presidente Ernesto Zedillo [agora na universidade de Yale] fechou tanto o Instituto Nacional de Higiene quanto o Instituto Nacional de Virologia que se dedicavam a estudar vírus e a desenvolver vacinas para combatê-los. Nada sobrou.

Os primeiros casos da atual gripe na Cidade do México não foram detectados, entre outras razões, porque o Ministério da Saúde não tinha ferramentas para identificá-los. Demorou alguns dias, depois de múltiplos contágios e algumas mortes, para que o médico do governo – o limitado e sempre hesitante José Angel Córdova Villalobos – mandasse algumas amostras para laboratórios canadenses pedindo-lhes, por favor, que dissessem o que estava causando aquela gripe incomum.

O planeta está em choque porque, mesmo 10 dias depois daquela mensagem noturna terrorista de Córdova Villalobos na quinta-feira da semana passada, o "governo" (ou o que quer que seja) de Felipe Calderón ainda não revelou os nomes de qualquer uma das vítimas fatais do vírus, que mais cedo ou mais tarde entrará para a história como o vírus da gripe do México. Depois de acidentes aéreos, rodoviários, terremotos, enchentes e incêndios as autoridades divulgam os nomes dos mortos. Mas agora não – e ninguém sabe explicar a razão.

Não é preciso ser muito inteligente para entender que se Calderón e seu médico governamental se negam a dar os nomes dos mortos deve ser para esconder informações que poderiam destruir a lógica do governo de gerenciar a crise usando ferramentas de pânico social.

É fundamental que a gente saiba: Quem foram os mortos? Que idade tinham? Onde moravam? Qual seu status sócio-econômico? Qual a ocupação deles?

Em outras palavras: eles viviam em domicílios com água corrente, banheiro, chuveiro, piso de cimento, eletricidade? Quantas pessoas havia na família?; quantos dormiam no mesmo quarto?; quantos banhos tomavam? Eram obesos? Subnutridos? Quantas vezes por dia comiam e o que comiam? Quando andavam pelos seus bairros e vilas, passavam perto de fazendas de criação de porcos? O ambiente cotidiano deles estava saturado com fezes de aves ou porcos? Tiveram eles contato com animais?

Muitos no México suspeitam que os mortos nessa epidemia pertencem à camada mais desprotegida da nossa sociedade; que testemunhamos mais uma vez uma doença da miséria e que o real objetivo das medidas aplicadas até agora num país com mais de 50 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza extrema é isolar os mais pobres de nós, menos pobres e com certeza dos ricos. Isso poderia explicar o fechamento total de escolas, restaurantes, bares, escritórios, cinemas, teatros, ginásios, piscinas, etc. Mais cedo ou mais tarde isso vai tornar-se claro.

Em mais um ato de impulso totalitarista, Calderón impôs por conta própria o segredo funerário. Isto é uma violação do direito à informação; não apenas dos mexicanos, mas de toda a humanidade. Enquanto ele esconder informações-chave, como os nomes dos mortos, o aparato de terror eletrônico vai permitir ao governo continuar a manipular-nos à vontade.

Não é hora de pedir aos nossos amigos em todo o mundo para levantar uma onda de solidariedade internacional contra essa forma de censura? Vamos pedir uma autópsia do grupo social que está morrendo dessa gripe. Teremos que marchar de novo até ao Zócalo, fazer greve de fome, bloquear rodovias, antes que eles nos dêem os nomes dos mortos?

O México é um dos países mais ricos do continente americano, mas uma peste voraz, mais destrutiva e mortal que a gripe suína, transformou-nos num um país fraco, mais faminto e com menos esperança que o Haiti; até mesmo que a pobre Honduras, uma República da Banana sem bananas. Essa peste são os políticos neoliberais do PRI e do PAN, a praga dos Salinas e Zedillos, dos de-la-Madrids e Foxes, todos a serviço de um punhado de milionários insaciáveis.

Por que permitimos que isso acontecesse? Por que permitimos que nos desprezassem? Estávamos enganados quando fomos às ruas com bandeiras brancas para por fim à rebelião indígena de Chiapas?

Por que as outras vítimas desse vírus, que vivem com boa higiene, se recuperam? Por que vivemos sob a psicose de que o A/H1N1 supostamente prefere gente entre 20 e 45 anos de idade? Como é que fomos convencidos disso sem mesmo saber os nomes dos mortos?

No México temos testemunhado uma campanha descarada contra López Obrador nas últimas eleições, quando foi chamado de "um perigo para o México"; vimos Calderón assumir o poder depois de uma eleição maciçamente contestada, alegando que usaria "quaisquer meios" para isso; vimos Calderón renegar as promessas de campanha, começando pela criação de empregos; e vimos quando embarcou em uma guerra "contra" os narcos que apenas militarizou o país e permitiu a Calderón um controle maior da nação; vimos nessas ações que ele arriscou a segurança nacional do nosso país e dos Estados Unidos.

Assim, nós mexicanos, temos a clareza e maturidade suficientes para saber que Calderón não está acima de tudo: se um dia se vestiu de soldado para lançar as forças armadas numa trágica aventura, ele agora veste o avental branco para manter-nos sob prisão domiciliar, a suar de pânico.

Há dois objetivos que surgem desta epidemia na agenda dos cidadãos: exigir que o "governo" (ou o que quer que seja) nos dê os nomes dos mortos e pedir mudanças radicais na agenda de pesquisas científicas. Da mesma forma que forçamos esse presidente espúrio a construir uma refinaria nova, nacionalizada, para aumentar nosso controle sobre a riqueza do petróleo, agora precisamos lutar por novos laboratórios e pela restauração do ensino de filosofia, ética e estética [referência à tentativa de remover essas disciplinas do currículo obrigatório].

Basta! Já deu! Não vamos sofrer nem mais um dia sob a tirania desse regime ignorante!
Jaime Avilés é colunista do La Jornada.[jamastu@gmail.com]


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