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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Ciro Gomes, o estrovenga.

Nos meus anos de Fortaleza, certa noite no então hotel Esplanada, do deselegante Nelson Otoch, tive o desprazer de conhecer Ciro Gomes. Tasso Jereissati era governador e Maria Luiza Fontenele, do PT, a prefeita; famosa por ser corrupta e dona do motel mais luxuoso, recém inaugurado nos arredores da cidade.

As más línguas da época acusavam-na de ter surrupiado recursos federais para construir essa estalagem do pecado. Coitada! De tão pobre nunca teve nada. Mas a inveja humana é assim mesmo. Não pode ver um pobre com uma camisa lavada. No caso da Maria Luiza, pobre mulher, dona de um templo majestoso para o amor pernoitar.

Ciro Gomes, vindo de Sobral, recebera a honra de ser o melhor pré-candidato a substituí-la. Dignidade, reputação moral e ética flanqueavam-no como baluartes a fortalecer a coerência da sua retórica sabida nos fundamentos profusos da ciência política.

Apadrinhado por Jereissati, a eleição estava praticamente ganha. No Ceará daquela época, após a administração desastrosa de Maria Luiza, a prefeitura para o PSDB eram favas contadas. Só a presença de Jereissati bastava para abater pernilongos em vôo, ops!, para convencer os eleitores a votar no protégé. Não fiquei para ver o resultado. Em boa hora a empresa onde trabalhava transferiu-me para a Europa.

Dessa noite, nos idos de 1987 ou 88, não recordo exatamente, poucas lembranças guardei. Na reminiscência ficou, entretanto, a linda hostess do hotel; uma argentina loura de olhos verdes, translúcidos como duas esmeraldas colombianas. Só de olhar para ela o sujeito enveredava por vielas lúbricas de iniqüidades... com as quais sonharia a noite inteira.

Não fui tão afortunado.

Tudo o que é bom na vida tem um lado ruim. Nisso creio. Na mesma lembrança de tão divina mulher existe uma nuvem gélida, originada na repulsa instintiva que Ciro Gomes me causou ao apertarmos as mãos.

Foi a moça quem nos apresentou.

Acho que ela leu os meus pensamentos gulosos à beira da piscina. Estou convencido que só levou Ciro Gomes ao meu encontro para usá-lo como uma espécie de balde de água fria a fim de esfriar-me os devaneios.

O sucesso dela foi notável.

No apertar de mãos, a custo refreei a aflição de limpar os meus dedos na camisa dele. Como o Bush fez recentemente com Clinton na visita ao Haiti. A noite de Fortaleza não estava tão quente para Ciro Gomes ter a mão empapada de suor. Que nojo. Talvez sofra de sudorese... Vai-se lá saber. Nunca pude confirmar.

Mas no fundo sou um homem educado, ora bolas! Disfarcei e limpei a mão na minha calça. Nunca mais a vesti.

Da conversa que tivemos mal recordo uma sílaba. Apesar de ter sentido um asco imenso, sequer consegui desviar os olhos do seu pescoço. Que enorme! Que pescoção! Que espanto! Lembro-me de um amigo murmurar, ante a minha estupefação, que esse predicado causava muito sucesso entre os cearenses. A espetacular parte anatômica provocava-lhes delírios; afinal, a natureza, nesse particular físico, fora excessivamente econômica com eles.

Os anos passaram. Outros mundos conheci. Porém, em 2002, de volta a São Paulo, precisei ir à FMU – Liberdade, para recusar educadamente o convite de compor o quadro docente dessa Universidade. Mal tenho tempo de coçar-me, quanto mais paciência para dar aulas a alunos que desabam nos bancos da faculdade sem saber ler ou raciocinar...

Não nasci com o dom de iluminar mentes na escuridão. Bem que tento; troco até as baterias, mas não consigo.

No meio da conversa com o reitor, ele ainda esperançoso que eu mudasse de opinião, avisou-me entusiasmado que Ciro Gomes estava no prédio para dar uma palestra aos estudantes.

Arrepiei-me todo.

Foi uma daquelas reações pretéritas que às vezes nos fazem misturar presente e passado e nos transportam para dentro de uma cápsula do tempo. O asco do primeiro encontro, lá em Fortaleza, subi-me à boca. Vi um par de olhos verdes serem arredados de mim por um pescoção enorme na minha frente. Atônito, olhei para as palmas das mãos. Felizmente estavam secas.

Mas não fiquei tranqüilo.

Senhor da minha fé, supliquei imperioso aos anjos que fizessem o bondoso reitor esquecer o encanto de me convidar para assistir a tão proeminente figuraça. Ciro postulava-se à presidência. Os anjos não me ouviram. Tampouco recordo o que respondi ao simpático acadêmico. Só me lembro de ser levado, quase a reboque, a caminho do auditório.

No abrir das portas o primeiro que vi foi o pescoção. Deus do céu! Parecia ainda maior do que eu lembrava. Depois percebi que o exagero visual devia-se à perspectiva do ângulo no qual me encontrava em relação ao palestrante. O reitor acenou-me para seguí-lo até ao palco. Aí foi demais. Fingi não vê-lo nem ouvi-lo. Sou muito tímido.

Sentei-me na primeira cadeira vazia que encontrei. E lá fiquei.

Por quarenta e cinco minutos, em silente martírio, suportei o pescoço, perdão..., o orador. Quando por fim desviei o olhar pelo auditório, percebi que estava lotado. Nem notara. Resignado, não tive mais remédio senão contextualizar-me com as perguntas dos pupilos. Superavam qualquer tese dissertativa de doutorado sobre imbecilidade; mas eu não queria ser descortês com o meu anfitrião. Levantar-me assim de repente para ir embora seria indelicado. Todos sabem que sou muito tímido. Também muito educado. Já o disse antes. Portanto, resisti.

Cheguei a ficar orgulhoso do meu estoicismo diante dos chutes gramaticais dos estudantes. Senti os olhos lacrimejarem ao ouvir os “pra mim entender” e "pra mim fazer". Chorei ao ouvir o ruído dos passos dos plurais saírem em tropel salão afora. Tive um ataque de soluços depois de escutar alguém perguntar: “qual era a “prataforma” “obijetiva” do candidato para combater a “corrupissão” e “capiturar” os “corrupito”; falado exatamente como está escrito.

O ar exalava reflexão quase religiosa quando Ciro Gomes abria a boca. Que eloqüência! Que homem mais sabido! As respostas, recordo bem, esvoaçavam pelo ambiente como capote de toureiro dando olés em touros, isto é, nos alunos.

Nunca entendi a fascinação dos néscios pelos gabanelas. Devia haver uma lei contra isso.

Dias ou semanas antes, não lembro, Ciro Gomes havia soltado uma das suas patacoadas mais brilhantes; aquela horrível sobre a então noiva, Patrícia Pilar. Não vale a pena transcrever aqui palavras tão... Esqueçamo-las! Mas várias universitárias sentiam-se ofendidas por osmose e foram bastante incisivas com o candidato.

Nada havia mudado em Ciro nos últimos catorze anos. O pescoção continuava igual. A arrogância também. Respondeu a todas as perguntas e eu quase pude ver os corações das moças a palpitarem.

– “Que homem inteligente”. – sussurrou a moça à minha frente para a colega do lado.
– “É liiindo!” – respondeu-lhe a outra no mesmo ciciar.
– “Será qu'ele disse me'mo que mulher serve só pra dormir?” – contrapôs a primeira.
– “Xiiii... eu não me importava”... – retrucou a segunda e ambas soltaram risinhos malvados.

Ciro Gomes seguia sendo o mesmo bazófia estrepitoso, cheio de apelos à moral, à honra e à dignidade. Havia rompido com o partido, cuspido no prato que comera, achando que seria grande... Mas a jactância arrendodava-lhe cada palavra. A gabarolice do seu suposto conhecimento da ciência política continuava a iluminar as promessas do que pretendia realizar no futuro... se eleito. Por felicidade não foi.

O desastre teria sido pior do que tem sido com o Lula.

Bom... outros oito anos se passaram e hoje não estou mais no Brasil... mas nos jornais leio, vira-e-mexe, o nome de Ciro Gomes. Cada notícia é melhor que a anterior. Dei-me conta que cresceu politicamente. Voltou a ser ministro! Desta vez do Lula... que naquele auditório tanto o ouvi criticar. Deixou de ser bufão para ser palhaço; e agora marionete exclusiva para uso maquiavélico do mesmo Lula.

Já o havia sido de Tasso Jereissati, é bem verdade. Suponho que não deve ter-lhe custado muito retomar ao mesmo papelão; se é que alguma vez saiu dele. Nem curinga é tão versátil.

Se eu fosse pernanbucano, diria que a verdadeira vocação de Ciro Gomes é ser moço de jangada.

Tenho a suspeita que Ciro, além da hiper-hidrose, sofre também da síndrome de abstinência do jugo de boi. Quando se separou de Jereissati ficou sem jugo e sem chavelhão. Sem chão, como diriam os paulistas. Livre de controle, e ao próprio arbítrio, retomou a toada de falar o que não deve e a ufania destrambelhou-o como espada de fogo lançada ao chão.

Resultado? Mudou-se para São Paulo na ilusão de Lula oferecer-lhe o jugo de uma candidatura, – que nunca teve a menor chance e só Ciro acreditou, – ao palácio dos Bandeirantes.

O moço quer é poder.

Por petulância ou por estupidez, talvez por excessivas doses de ambas, ficou sem jugo. Recuou ao limbo de oito anos atrás; às estrelas do céu do Ceará. Ciro volta a caminhar errante de lá para cá, propalando as habituais arrogâncias para a gulodice da imprensa estrábica... e divertimento pérfido do Lula.

Coitado! Acreditou na subserviência lulo-petista, achando que por ela singraria pelo poder como quando Jereissati lhe dizia o que fazer, o que falar e como se comportar.

Quantas decepções fazem falta para demover um tolo? Creio que Ciro todavia ignora que teimosia é a manifestação mais clara da burrice.

Tanto é que o seu próprio partido, o PSB, já se deu conta. Tenta a pulso salvar o restinho da dignidade que Ciro não destruiu e negocia a retirada dele... De onde?

Do PSB? De uma fantasiosa corrida ao governo de S. Paulo?; ou da reedição onírica de voltar a ser candidato à presidência?

Seja lá qual for, nas duas últimas alternativas nunca teve ou terá qualquer probabilidade de êxito, exceto, claro, naquela(s) ainda flutuando no seu imaginário fanfarrão.

Certamente, Tasso Jereissati jamais imaginou que o bezerro que criou com tanto afeto, e para o qual mandou até fazer um jugo à medida do pescoção, haveria de lhe cuspir em cima e se transformar no faz-me rir da política nacional.

O jovem político, lá de Sobral, tornou-se um estrupício. O seu pescoço que tanto fascina os cearenses, para o resto do Brasil é só um gargantão. É só isso que Ciro Ferreira Gomes é. Nem para defender o mensalão e a corrupção petista, como o fez de forma tão vibrante, ele serve mais. Isso, porque moral, honra e dignidade eram o seu lema... Imagino se não fosse.

Ah... moça linda de olhos verdes
Por onde é que andará...
Huumm... Não quero nem ver-te!
Porque não me deixaste sonhar.


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