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sexta-feira, 19 de junho de 2009

Senado Brasileiro, o novo Centro Citadino.


"Zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades".

Lá no meio de Minas Gerais, nos arrabaldes onde nasci, vivia-se na expectativa de saber quando as comadres se zangavam. Era o momento do noticiário.

Não dava outra, uai!

Os podres sórdidos do prefeito, vereadores e demais cidadãos respeitáveis circulavam de roça em roça, tal qual rastilho de pólvora para acender a morbidez humana.

Cinco viúvas e uma outra amigada, esta de peso avantajado, brigavam entre si com certa freqüência. Geralmente por favores não retribuídos ou mágoas recalcadas. Outras vezes, por causa da encarregada na semana de limpar o altar da igreja não tê-lo feito com a devida pulcritude.

Reza a lenda que a zanga entre as seis mulheres começou certa noite de inverno, quando o amásio da gorda, – bêbado aos tombos, porém, apessoado, – entrou na casa de uma das viúvas, – fina de cintura, – e lá dormiu até ao amanhecer... sem ser percebido.

Dosolina Graciosa da Purificação era o nome a viúva; já falecida. Dona Dodô, somente para as freqüentadoras das Ave Marias ao cair da tarde.

Ninguém jamais soube se algo sucedeu naquela madrugada. As especulações viajaram pelo absurdo do infinito. As partes envolvidas nunca confessaram.

Dona Dodô, – viúva há anos e filha de Maria, – defendia-se aos prantos. Atirava culpas ao sono pesado e às línguas ferinas das colegas viúvas.

O intruso notívago amaldiçoava a cachaça. Habitual e solenemente encerrava a defesa declarando-se fiel seguidor da monogamia e dos preceitos do matrimônio realizado na fé.

"Amigado com fé, casado é", proferia com uma palmada na mesa. Cristão algum duvidava! Na frente.

Nem o padre conseguia manter a paz entre as mulheres; embora testemunhas auditivas hajam afirmado, a pés juntos, que monsenhor, muito furioso, passara uma bela penitência à viúva da cintura fina; durante seis meses proíbo-a de preparar o altar.

Houve até um certo desapontamento por esse castigo tão piedoso.

Poucos duvidavam de dona Dodô ser a tentação do demo. Bonita era realmente.

No entanto, anuviaram-se quando ela passou a cuidar da residência paroquial. Raro era o dia que a altas horas da noite não saía de lá estremunhada. Só depois de dar a janta. Isso se não houvesse moribundo para extrema-unção. Nesses dias, a pobre dona Dodô... com certo brilho no olhar... saía ao amanhecer, antes da missa matinal.

Foi um castigo pesado... Nunca mais teve gosto em guarnecer o altar com as flores que colhia do seu próprio jardim.

Na época não tínhamos televisão. Se a semana andava muito pachorrenta, alguém logo se encarregava de cruzar com Dona Dodô. Coitada! À laia de preocupação sincera perguntavam-lhe se havia dormido bem na noite anterior.

Dona Dodô abespinhava-se. Tomava a pergunta como uma ofensa serissíma.

Pior ficava quando lhe perguntavam se o padre gostava do cozinho dela.

Oh, maldade. Como aquele povo gostava de trocadilhos.

Nesses momentos o festival de notícias iniciava-se.

Dona Dodô retrucava com quatro pedras na mão. Invariavelmente disparava três ou quatro acusações contra o perguntador. Se dele nada sabia, – o que era raro, – instava-o a inquirir fulana ou sicrana, sempre uma das viúvas, sobre qualquer maledicência que delas ouvira.

Quem escutava transmitia e o desfiar de represálias parecia interminável.

No “Centro Citadino”, – o boteco mais chique da vila, – reuniam-se logo os pobres mais distintos. Pouco a pouco, entre uma pinga e outra, a afluência crescia. O requinte dos desagravos também. Os detalhes eram sublinhados a cochichos para infelicidade de um dos freqüentadores, surdo das duas orelhas.

Ninguém queria contar-lhe nada.

Meu pai pertencia à classe dos miseráveis. Carecia de nível social para freqüentar centro tão pobre, perdão, tão requintado. Eu andava lá pelos onze anos e tinha um par de sapatos para uso exclusivo aos domingos e enterros de familiares. Só de familiares. Deste modo, tampouco podia freqüentar um lugar onde todos andavam calçados.

Ademais, o meu avô insistia que eu freqüentasse a escola. Descalço. Uma amolação.

Nas horas vagas obrigava-me a ler filósofos dos quais eu nunca ouvira falar; expostos em livros de quinta mão, cujas páginas faltantes ele as completava com infinita paciência e umas três doses de imaginação, das quais sinto saudade.

Um desperdício de tempo que eu motejava a lábios cerrados, invejoso do meu irmão mais novo, aprendiz de engraxate.

Este sim, tinha futuro. Já tinha até profissão. Pior, contribuía pras compras da casa.

Não admirava que fosse o queridinho da família; que mamãe o ajudasse a arrumar a caixa das graxas. Até o abençoava com recomendações de ater somente o exercício da engraxação no “Centro Citadino”. Pudera... Quando voltava, falava mais que o rádio do meu avô.

Nos dias seguintes, pra desespero meu, falava ainda mais. Parecia possuir uma memória seletiva e elefântica. O primeiro dia, geralmente o final da tarde, reservava-o às manchetes. Os posteriores, aos detalhes finos e às minúcias escutadas e interpretadas por ele.

Que inveja!

Nem o meu estilingue preferido com o qual o subornei a ver se ficava amnésico, fazia-o emudecer. Pior, nem se dava conta que dia após dia, semana trás semana, contava as mesmas estórias, cujos personagens se intercalavam ou revezavam nos feitos, nas falcatruas e nas sem-vergonhices.

Assim é o senado federal brasileiro; ou o dia-a-dia da política brasileira como um todo.

Nessa repetência ficam esses escândalos vergonhosos, cada vez que uma das comadres senatoriais se zanga com a outra: como um fel amargo, ecoando sem cessar, num moto-contínuo, no meu pesar.

Meu jovem irmão, de fofoqueiro familiar tornou-se jornalista e depois petista até hoje.

Quanto ao Brasil, o país virou um grande “Centro Citadino”, cujos freqüentadores, como antanho no meu povoado, deleitam-se com a vergonha política... sem se aterem às causas e conseqüências que as envolvem... cuja responsabilidade e solução a eles lhes pertence.

Que vidas miseráveis, famintas e sedentas!

Que políticos paupérrimos, flores de esgotos!

Que povo néscio, esperança vã!


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