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quinta-feira, 26 de junho de 2008

5 – Amor rasgado,

olha só como te puseste... Se a escrita gritasse teria ficado surdo. A foto é minha, mulher. Tu a deste. Posso rasgar a cabeça; recortar as pernas; fazer o que me apetece, sem que te peça. Posso até triturá-la em mil pedaços se consolo algum proviesse.

Rio-me. Eu sabia que isso ia acontecer. Já te disse que quando falamos de amor, Maquiavel baixa e se interpõe cheio de malefícios? Especialmente quando estamos a sós. Não acredito que te tenham reconhecido. Que presunção... [risos]. Nem mesmo sabem quem és. Esqueceste o segredo exigido? As entradas desencontradas no apartamento alugado? Eu sempre cumpro o que prometo. Só tu e eu sabemos o que ignoram os demais.

As duas únicas pessoas que nos viram juntos em todos estes anos não entram na Internet. Coitados, mal sabem ler e escrever. A propósito, para que não duvides mais, saiu o visto de permanência deles. Permanente, vê só. Definitivo. Nada de temporário. Sou ou não sou o máximo? [risos] A vaidade me transborda. Agora vou tratar de naturalizá-los para obterem um passaporte que os diferencie dos demais brasileiros. Assim não serão presos quando quiserem sair de férias... Na Bahia serão estrangeiros, vê só que chique.

Mas... Espera aí... Não me digas que tens uma cópia dessa foto? Claro! Que bobagem a minha. Esqueci-me do ego; do alter ego e até do Lexotan. É muita coisa junta. Por isso a cama era tão pequena. Só agora me dei conta. Sabes que quando saías correndo eu sempre me perguntava se tinha a sorte de teres esquecido algum desses atuendos. Inclusive o Lexotan. Nunca se sabe quando se vai precisar. Nas chegadas atropeladas e nas saídas tempestivas, nunca soube a qual prestar atenção primeiro.

E os egos vão bem, dou-me conta. A afinidade que tens com eles é deveras brilhante e nada sutil. Até em letras são difíceis de ignorar. Sem dúvida alguma merecem ser imortalizados. A propósito de imortalização, a matrioshka que me ofereceste quebrou. Hoje de manhã. Sem ninguém lhe tocar, quebrou-se. Vai ver, foram as tuas ondas que explodiram a boneca. Não quero ser cruel ou indelicado, mas achei bom. Um ego a menos.

Fiquei comovido com o teu “exílio que a chorar me vês”. Lindo! Entretanto, não tem alguma coisa errada? Não deveria ser ao contrário? O exilado, auto-exilado, sou eu e tu é que choras? Se quebraste a alma, então deves estar dolorida. O choro está explicado. Parece que tens mais contrições agora do que quando saías... São ironias. Junta os cacos, cola-os e ela ficará nova, de novo. Lembras do custo e benefício? Que ótima oportunidade para colocares em prática a tua própria teoria.

Jamais te escreverei diretamente. Não insistas. Nem ligues para o meu celular brasileiro. Não atenderei. Só o uso quando vou aí. O número local não darei. O que te disser será sempre público; sem segredos; sem mistérios; sem mentiras ou meias-verdades. Deixei de ser petista, exatamente para me poupar e salvaguardar de tais veleidades. Deixei o Brasil exatamente por isso. Nada mais quero disfarçado nem encontros velados. Ler-me ou não ler será sempre uma questão tua. Se quiseres a minha essência, só a terás em palavras abertas que só tu entenderás. O meu abandono também. Portanto, não escutes o grito do vento. Melhor que escutes o seu sussurro e não me apertes assim contra os teus seios. Disseste-me que tinhas o peito rasgado. Como se eu acreditasse... Claro que acredito...

Tu escreveste: – “...você nunca verteu uma lágrima por mim...” – É verdade! Esqueceste que adoro metáforas e alegorias. São divertidas. Mais até que o nosso jogo que já perdeu a graça. Quantos anos foram mesmo? Oito? A frescura do teu mar salgado não tem uma lágrima minha. Era só o que faltava. Mas o céu proporciona mais males aos corações magnânimos.


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