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terça-feira, 4 de setembro de 2007

Para quem não conhece o mula

Em 11/04/2007 dois historiadores - em entrevistas - analisaram a política atual tendo como pano de fundo o caso dos controladores de vôo! EM COMUM: BRASIL NÃO TEM PRESIDENTE!

Trechos.

1. José Murilo de Carvalho na Folha de SP, historiador e professor da UFRJ.

a) O presidente cometeu o mesmo erro que João Goulart no trato com militares, o descaso pela disciplina e pela hierarquia. Corrigiu-se a tempo, desautorizando um ministro civil que não tem tanques. O sinal dos tempos é que não foi deposto nem se cogitou isso, mas saiu com a autoridade desnecessariamente arranhada.

b) O episódio revela que, depois de 22 anos de governo democrático, políticos e militares ainda não conseguem falar a mesma língua. A criação do Ministério da Defesa foi um passo à frente. Todos os países o possuem. Mas até hoje ele não decolou, está em permanente apagão. Os ministros civis que o ocuparam nunca tiveram legitimidade para representar as Forças Armadas e menos ainda para obter sua subordinação. O caso do ministro atual chega a ser patético. Sem interlocução eficaz, escaramuças ou mesmo crises podem pipocar a qualquer momento.

c) O apagão de seis meses revelou imensa incapacidade gerencial do governo. A recente crise gerada pela indisciplina dos operadores militares revelou grande inabilidade política. A crise revelou dois problemas não-resolvidos referentes às Forças Armadas: o orçamentário, que afeta salários e o aparelhamento institucional, inclusive para exercer o controle do tráfego aéreo, e o político, que afeta a inserção dos militares na máquina do poder. Sem a solução dos dois, nossa democracia continuará sujeita a chuvas e trovoadas, longe do céu de brigadeiro.

2. Marco Antonio Villa no Estado de SP; é historiador e professor do departamento de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos.
a) Lula não sabe tomar decisões, não fica confortável diante delas. É uma característica pessoal. Em 1980, por exemplo, sumiu de vista em dias decisivos da greve em São Bernardo do Campo. "Cadê o Lula?", perguntavam todos. Estava em um sítio, perto de uma represa. Foram lá dar uma dura nele e ele reapareceu no dia seguinte, na assembléia da Vila Euclides. Lula tem uma dificuldade de tomar decisões que não começou na Presidência, ficou evidente em todos os momentos-chave de seu primeiro mandato e reapareceu agora, no primeiro trimestre de seu segundo governo. O apagão aéreo é apenas um exemplo de uma lista extensa.

b) O presidente Lula apresenta a lentidão de suas decisões como sapiência, como a elogiável capacidade dos líderes de decidir quando querem, como querem. É um recurso que não resiste nem mesmo a uma análise histórica. Grandes decisões foram tomadas no calor do momento. Se o presidente Lula estivesse no lugar de Dom Pedro I no momento em que recebeu a correspondência às margens do Ipiranga, dificilmente teria proclamado a Independência, provavelmente teria sugerido uma paradinha ali à beira do rio. O presidente acredita que, passando o tempo, as coisas se acomodam sozinhas. Governar não é isso.

c) A indecisão do presidente pode ser boa para ele, mas é péssima para o País.

d) Apostar no esquecimento é uma característica do conservadorismo político. Nos últimos tempos as pessoas têm falado muito da frase do Ivan Lessa, que disse que a cada 15 anos o Brasil esquece de tudo o que aconteceu nos 15 anos anteriores. O governo Lula atua em uma faixa que mistura essa máxima com a lógica de Delúbio Soares, que previu que toda a denúncia do mensalão acabaria em "piada de salão" - e tinha razão. Lula assumiu o segundo mandato e os protagonistas do episódio continuam em lugares importantes dos partidos que atuam junto com o governo. É a vitória do esquecimento.

e) O presidente Lula não gosta de ser um executivo, reunir equipes, levar relatórios para casa, pegar retornos técnicos e, com base nisso, tomar decisões. Nesse sentido, ele não preside. O presidente gosta do poder, é encantado pelo cerimonial do Palácio e por tudo o que é externo ao ato de governar. Gosta de fazer discursos com temáticas pessoais, autobiográficas. Gosta do mundo palaciano em que presidentes jamais são vaiados e exerce uma "Presidência do Espetáculo" que até lembra o Absolutismo, em que tudo é revelado. Nenhum governante sobreviveu à história apenas com sua cota de carisma. A dificuldade para decidir, em um presidente, não é só curiosidade. O País precisa de administradores reais.


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